A vida secreta de uma comunidade Daimista

08/03/2021
Trabalho em homenagem aos 90 anos da Madrinha Rita (Foto: Rafael Oliveira)

Trabalho em homenagem aos 90 anos da Madrinha Rita (Foto: Rafael Oliveira)

Nenhum som de automóvel ecoa por aqui, a menos que seja alguém convidado ou perdido. Os raios de sol passam tímidos pela densa mata que abriga a comunidade de Céu de São Miguel de olhares curiosos e do caos das cidades.

A aproximadamente 15 km do Centro de Sapiranga, existe uma comunidade religiosa que se baseia nos princípios de amor, caridade e fraternidade, da religião Daimista. As pessoas que aqui residem como Rosa Maria, Alancardino, Alexandre e Eronilda entre outras, são todas praticantes da religião e por isso, tem um estilo singular de vida.

Ao entrar pelo portão simples e branco, logo se pode ver os pés de rainhas, a casa geral, a igreja e as casas sem cercas. Cães e gatos andam tranquilos na estrada de terra, e no topo de grandes árvores às vezes é possível enxergar bugios e pássaros de todas as cores.

Nesse ambiente de paz e natureza, Rosa Maria costura as fardas para o próximo trabalho, já Alancardino, como dirigente, faz a entrevista com pessoas que desejam participar da religião. Alexandre prepara o chá de Santo Daime na casa de feitio e Eronilda varre a igreja e mexe uma grande panela de carreteiro. Chega o meio-dia, todos que vivem na comunidade se reúnem na casa geral para almoçarem juntos, e sempre existe lugar para mais um na mesa. As mulheres sentam com suas saias longas e coloridas, e todos têm expressões tão calmas, como se tivessem acabado de sair de uma meditação. Conversam sobre o que precisa ser feito para os próximos trabalhos e sobre as visões que tiveram com o chá de Santo Daime no último trabalho. Compartilham suas experiências e buscam o significado de suas visões, aplicando os ensinamentos delas para o cotidiano. Mas nem tudo são flores, assim como qualquer convivência social, ocorrem problemas e intrigas, mas elas tendem a ser contornadas mais facilmente pelo fato da comunidade ser religiosa, e as pessoas muito próximas.

A religião que eles praticam se originou na Floresta Amazônica, com o neto de escravos Raimundo Irineu Serra. O Mestre Irineu, como é conhecido por seus seguidores, ao beber o chá recebeu uma doutrina de cunho cristão e eclético, reunindo tradições católicas, espíritas, esotéricas, caboclas e indígenas, ou seja, muito rica culturalmente e que prega a tolerância religiosa. A doutrina de Irineu é tão singular que tem praticamente um vocabulário específico para denominar cada coisa, e por isso todos os termos são explicados ao longo da narrativa.

A doutrina se baseia majoritariamente em crenças cristãs, as quais são passadas por meio dos hinários, que são orações cantadas junto ao som de violão e maracás ao longo de todos os trabalhos. Os trabalhos por sua vez são os cultos da igreja, existem tipos diferentes de trabalhos, e para cada tipo de trabalho, uma farda, que é a vestimenta típica do Daimismo e cada detalhe da farda tem um significado. Todos os moradores têm um papel na comunidade e na administração da igreja, e tudo é regido por regras internas.


 

Confira a entrevista com Alancardino Vallejos, juiz aposentado e dirigente da comunidade Céu de São Miguel:

 

Quais são as regras para poder tomar o chá de Santo Daime?

Alancardino – Nossa igreja matriz exige que a pessoa compareça antes a um ritual sem ingerir o Santo Daime, um ritual chamado Oração, onde ele acompanhará por uns 40 minutos um ritual preliminar, poderá fazer perguntas e deverá preencher uma anamnese (perguntas sobre saúde, experiências espirituais, se toma medicamentos, o que pretende ao vir conhecer o Santo Daime). Após isso, no próximo ritual poderá vir e ingerir o Santo Daime. Também recebe instruções de qual indumentária é permitida no salão.

 

Como ocorre o preparo do Santo Daime e a consumação desse chá?

Alancardino – O chá é feito num local próprio, chamado Casa de Feitio, através do cozimento de 45kg de jagube (o cipó que auxilia na miração – visões que a bebida dá) e 10kg de folha rainha, a folha que possibilita a miração. Existe um Feitor e os homens dedicam-se a cortar, raspar (limpar) o jagube e tirar e pôr as panelas no fogo, e as mulheres dedicam-se especialmente às rainhas, colhendo folhas, limpando as folhas e mandando para o Feitor. Também se responsabilizam pela cozinha geral.

 

Conte alguma experiência que você teve ao utilizar o Santo Daime e como isso mudou sua vida.

Alancardino – Eu desde cedo reconheci que tinha um pendor devocional, andei por várias linhas religiosas e seitas, mas quando tomei o Santo Daime pela primeira vez vi que era ali que eu tinha que ficar, porque tudo o que eu estudava e meditava sem ter a sensação de ter “tocado” naquilo, com o Santo Daime eu vi, toquei, vivi experiências espirituais marcantes. Como ele abre a consciência de uma forma inusitada, a leitura da Bíblia, por exemplo, se torna viva e a experiência de Cristo, verdadeira. Importante dizer que o Santo Daime é para todos, mas nem todos são para o Santo Daime.

 

 

* Reportagem de Giordanna Benkenstein Vallejos


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