Valeria, Maylel, Adrian, Geovanny, Jefson e Keilys
Keilys Delvalle Ramos atende o público no Supermercado Fink com sorrisos e uma grande capacidade comunicativa. Na entonação de voz ela carrega o sotaque venezuelano, no olhar, é possível notar o resquício de alguém que já passou por um grande sofrimento.
Para receber a redação do JDI, Keilys abriu a porta da sua residência próxima à escola dos filhos, no bairro Moinho Velho, onde a família se reúne. Lá estavam o pai dela, Geovanny José Salazar Garcia, de 58 anos, o marido Maykel José Rodrigues Mejias, com 32 anos, e os três filhos: Jefson Acuña Ramos (17 anos), Valeria Nazareth Rodriguez Ramos (9 anos) e Adrian José Rodrigues Ramos (5 anos).
Conforme a família, o primeiro a vir para o Brasil foi o pai de Maykel, Elpidio Rodriguez, em 2019. Ele ficou em situação de rua em Roraima, local onde a maioria dos imigrantes venezuelanos faz a viagem para mudar de vida. Elpidio, assim como diversos imigrantes, teve que dormir na praça e juntar latinhas para poder comer. Com o tempo, a situação melhorou e o pai conseguiu ajudar Maykel a fazer a viagem até o Brasil também.
Por que uma pessoa deixa tudo que lhe é conhecido, os sabores, os vizinhos, o aconchego da família sob o risco de ficar dormindo em uma praça e em busca de uma promessa de vida que pode não se concretizar? A resposta dada pela família é simples: as coisas ficaram muito difíceis. Por difíceis, eles querem dizer que a fome e o caos atingiram a nação venezuelana sem piedade, como consequência de uma política destrutiva.
A vida na Venezuela
Antes da crise, Keilys trabalhava como professora, Maykel em um mercado e Geovanny era mecânico. Com a redução de empregos, os mercados eram um dos poucos estabelecimentos que forneciam renda, por isso o casal abriu um armazém pequeno, que não deu certo, pois a inflação causava uma oscilação de preços diária nos produtos. Com a escassez de alimentos no país, também veio a fome.
– Dava para comer uma comida só por dia. O Geovanny pesava 140 quilos, e chegou a 90, porque ele comia só uma vez por dia. Comíamos arroz com ovo, aipim com margarina. Não havia trabalho e com todo o salário mínimo que ganhávamos dava para comprar 1 quilo de carne. Trabalhei em mercado e, quando chegava farinha de milho, era uma fila de 3 mil pessoas no meio do sol ou da chuva para comprar um limite de 2 quilos de farinha de milho por pessoa – relata Maykel.
Depois de cinco meses trabalhando no Brasil, Maykel conseguiu trazer seus filhos e a esposa para morarem com ele.
– Fiquei meses sem ver meu filho (apontando para Adrian), e quando vi me surpreendi, ele desmaiava por não ter forças, estava morrendo de fome. Na Venezuela chegava a um ponto em que não se tinha o que dar de comer para os filhos. Muitas vezes deixávamos de comer para dar para eles – relata o pai.
Emprego e escola para os filhos
Assim que veio para Dois Irmãos, Keilys começou a procurar emprego, trabalhando primeiro como faxineira e depois no Supermercado Fink, junto ao marido.
– Nós somos muito agradecidos ao senhor João Paulo Fink, por abrir as portas do seu mercado e nos contratar para ser parte de seus funcionários – diz ela.
Com o tempo, a vida foi melhorando, os dois filhos menores foram matriculados na escola municipal 29 de Setembro e o mais velho se formou no ensino médio na escola estadual Affonso Wolf. A família toda aprendeu a falar português para se adaptar a uma nova realidade. Valeria, de apenas 9 anos, é uma excelente aluna e auxilia na comunicação dos colegas que ainda não sabem falar português.
O avô das crianças chegou recentemente ao Brasil e ainda não aprendeu o idioma. Quando questionado se estava gostando de morar no país, ele respondeu que sim, porque na Venezuela havia muita fome e ele teve que vender seu carro e suas ferramentas para poder comer.
– Me gusta vivir en Brasil. En Venezuela tenía mucha hambre. Tuve que vender mi auto, mis herramientas para poder comer – conta ele, em espanhol.
Felicidade e gratidão
A família demonstra felicidade e gratidão pela oportunidade de uma nova vida mais próspera, tendo um carinho especial pelo acolhimento recebido no município de Dois Irmãos.
– É uma cidade muito tranquila, as pessoas são amorosas, queridas. É uma cidade construída por imigrantes – diz Keilys, entre sorrisos.
Para Maykel, a mudança também foi algo positivo.
– Não temos problemas com as pessoas, todos são muito acolhedores com os venezuelanos. Damos graças a deus pelas pessoas postas no nosso caminho – conclui ele.
(Por Giordanna Benkenstein Vallejos)