Por Alan Caldas – Editor
Décadas atrás, viajando em direção ao Leste europeu, sentou ao meu lado na viagem até Paris um (então) jovem hebreu, natural de Porto Alegre e que estudava Física em Israel. Na época não existia a miséria aérea em que atualmente estão as historicamente chorosas companhias aéreas.
Bom dia. Boa tarde. Nos apresentamos. Viagem longa. Fomos bebendo inicialmente vinho. Mas a conversa esquentou, pois o assunto era interessante, e logo pulamos para o cognac francês. Na época, serviam quantas você quisesse daquelas garrafinhas pequeninas, de dose única.
Lá pelos 10 mil metros de altitude, já em voo de Cruzeiro, a nave deslizava silenciosamente enquanto falávamos sobre... o Universo, é claro. O hebreu estudava isso e havia me dito, entre um gole e outro de cognac, que por 6 meses fizera um curso na universidade de Cambridge com o genial Stephen Hawking, o astrofísico mais famoso daquela década. Falávamos das correntes no espaço, que são como as marítimas. Especulávamos da composição química e física do Universo. Abordávamos os buracos de minhoca, as variações na lei do espaço-tempo, as “dobras”... e por aí seguia nosso papo sensacional sobre o Cosmo.
Eu recém publicara o livro Bolha Zite 2, admirava o Hawking e por tudo isso e mais, é claro, as vááárias taças de vinho e váááárias garrafinhas de cognac que havíamos bebido enquanto o Boeing cruzava o Oceano no silêncio da noite, o assunto partiu para o “fim do Universo”.
O Universo “surgiu”, se expandiu e segue se expandindo. Ou seja: segue crescendo. Se cresce, cresce para algum lugar, o Universo. Então, perguntei ao amigo hebreu o que existia no “fim” do Universo. O que existia “depois do fim do Universo”. O que havia lá?
O jovem hebreu, físico que era, desandou numa explicação que envolvia uma equação que ele rabiscava num guardanapo iluminado pela luzinha que tem no teto do avião e que ilumina cada um dos bancos. Era número para lá. Colchete para cá. Chaves. Parênteses. Potências e números de todo tipo, com vários e vários sinais de igual, de divisão, de potência ascendente... e eu, que nunca fui grande coisa em matemática, não estava entendendo muito bem.
Mas ele, o hebreu, feliz pelo vinho e pelo cognac, não queria nem saber das minhas limitações Euclidianas. Seguia falando e fazendo contas sem parar. O guardanapo lotava de números e ele pegava outro e seguia escrevendo fórmula e mais fórmula. E eu ali, só olhando e pensando:
– Jesus Cristo, por que fui perguntar isso para esse amigo judeu?
Mas, para não atrapalhar as contas do amigo judeu, eu ia pedindo para a simpática aeromoça mais garrafinhas de cognac. Ela trazia várias sempre sorrindo, pois viu que a conversa era animada. Às vezes ela ficava ao redor ou mesmo acocorada ao nosso lado, para ler e tentar entender o que estávamos falando. Já estávamos quase chegando no Charles de Gaulle, em Paris, quando finalmente o amigo judeu encerrou a equação. Então levantou a cabeça e olhando para mim e para a aeromoça disse, com um sorrisão enorme e vitorioso:
– Temos o NADA. Depois do fim do Universo temos o NADA!!! E é para lá que o Universo se expande.
Houve um silêncio constrangedor entre eu e ela. E ele, não compreendendo nosso olhar de interjeição, olhou para nós dois e vendo nossa cara de perplexidade perguntou:
– Vocês entenderam a equação e a conclusão de que é para o NADA que o Universo se expande? Entenderam, não entenderam???
E eu e a aeromoça nos olhamos e sem conter a alegria de vê-lo pensar aquilo, soltamos uma sonora gargalhada, e falamos em uníssono:
- Nããããoooo!!! É claro que não.
E a aeromoça, dizendo que ia salvar a noite aérea, trouxe mais várias garrafinhas de cognac e fomos rindo e bebendo até descer e nos despedir no aeroporto de Paris.
Nunca mais vi o hebreu. Nem a aeromoça. Mas é uma história incrível. Inesquecível para mim.