Por Alan Caldas – Editor
Jacob Nelson Kieling. Jamais esquecerei esse nome. E se passo em São José do Herval, ele me vem à mente. Ontem, a dona Helga Kieling, sua viúva, se despediu de nós aos 98 anos, e foi impossível não relembrar meu amigo Nelson.
Ele foi o primeiro revendedor do Jornal Dois Irmãos no interior. Era proprietário do Armazém Kieling, e na primeira edição, julho de 1983, fui solicitar que vendessem o jornal.
Desci do Chevette na frente do armazém, uma casa enxaimel centenária. Entrei. Mas não havia alguém para atender. Aguardei. Esperei. Esperei... e lá do fundo e em silêncio surgiu o Nelson.
Alto. Magro. Olhos claros. Cabelo loiro. Pele cor de ovo. Zero sorriso. Era a primeira vez que nos víamos. Abri um sorriso e me apresentei: sou Alan Caldas! Mostrei o jornal e ia explicar os termos do negócio quando ele disse com voz alta:
– Festhalten! (Alto lá!)
E, me olhando sério, perguntou firme:
– Sprichst du Deutsch? (Você fala alemão?)
Levei um susto. Mas respondi:
– Ich spreche, aber wenig. (Eu falo, mas bem pouco).
Ele seguiu sério, e perguntou com voz de trovão:
– Parle vou Français? (Você fala francês?).
Me encolhi, estranhando, e disse:
– Não. Eu não falo francês.
E ele, novamente com voz forte:
– Do you speak english? (Fala inglês?)
– Yes, I do. (Sim, eu falo), respondi.
Houve 3 ou 4 segundos de silêncio estranho. Eu olhava ele. Ele olhava eu. E aí o milagre: seu Nelson dá uma gargalhada de fazer saltar bugio de árvore e me diz:
– Achei que tinha esquecido de nós, meu guri. Estão perguntando pelo Jornal Dois Irmãos. Como faço para vender ele?
Vi que era afável, e relaxei. Ficamos amigos. A primeira experiência não se esquece. Aquela foi a primeira de muitas tentativas para abrir posto de venda do Jornal Dois Irmãos no interior. Todas com sucesso, graças a Deus. Mas inesquecível só essa do Nelson Kieling, um homem que se apresentou como trilíngue e que depois descobri que de francês e inglês ele só sabia realmente era falar aquelas perguntas e nada mais. Ainda hoje, quando penso nisso fico rindo sozinho.
O Armazém Kieling (e o do seu Meyrer também) era a venda onde os alemães se abasteciam do que não produziam em casa e ficavam sabendo notícias da comunidade alemã. O do Nelson inclusive foi pioneiro, porque lá instalaram o primeiro telefone de Dois Irmãos, décadas antes de a invenção de Alexander Graham Bell chegar na avenida São Miguel.
Sua morte prematura me deixou abalado. Foi o primeiro amigo que perdi em Dois Irmãos. Penso que a partida de pessoas como seu Nelson e dona Helga nos deixam menores porque com pessoas como eles partem, também, as boas referências de cidadãos e cidadania que temos para poder nos espelhar. Precisamos, agora, que outros assumam que são históricos, para a história poder continuar.