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Eu queria ser tanta coisa...
Talvez, ainda queira.
O problema é que eu não sei se vai dar tempo.
Queria ser escritor.
Parir um único best-seller, ficar rico com milhões de exemplares vendidos, adaptação para o cinema – já pensei até em Clint Eastwood como diretor e Jude Law para o papel do personagem que eu ainda não inventei – e tradução em mais de 120 países, inclusive Burkina Faso, onde eles falam...
- Francês! – me socorre ‘São Google’.
A propósito, queria aprender a falar inglês ‘de verdade’, além de alemão, italiano, iídiche, grego, mandarim e, é claro, francês. Afinal, pode acontecer de um dia, quem sabe, num passeio despretensioso pela Torre Eiffel, eu topar com a Carla Bruni (sem o Sarkozy por perto) levemente alterada por um espumante gaúcho. Ei, olha, eu também sou gaúcho!
Queria saber tocar um instrumento.
Às vezes, imagino a quantidade de garotas que eu poderia ter impressionado com Garota de Ipanema ao som do violão. Todas elas – não só a de ‘Ipanema’ – costumam ficar enternecidas com qualquer desgraçado que dedilha segundas intenções por entre cordas, decotes e sussurros.
Mas, pensando bem, poderia não dar certo. E se de repente eu me visse diante de uma violoncelista ninfomaníaca com ouvido absoluto? Era capaz de ela querer quebrar meu violão (ou seu violoncelo) na minha cabeça. Esquece!
Queria saber meditar.
Ter a paciência de um monge tibetano diante das contas que se acumulam nos primeiros meses do ano e que levam ao pé da letra a máxima do Criador calendário afora: “Crescei e multiplicai-vos”. Passar uma semana me alimentando apenas de brisa, tendo o vazio da alma absorvido pela força do silêncio em busca do nirvana. Aliás, o que será que Kurt Cobain acharia disso? Que bobagem... Deixa pra lá!
Por falar em personalidades...
Queria ser amigo do Keith Richards para entender como é brincar de viver e, se pudesse voltar no tempo, saborear um Jack Daniel’s na companhia de Frank Sinatra, bem no dia de levar um pé na bunda da mulher da minha vida, e de quebra ouvi-lo cantar Strangers In The Night... Sim, porque às vezes dá saudade de sofrer – entendedores entenderão!
Queria ser muito mais!
Mais corajoso. Mais amoroso. Mais criativo. Mais altruísta. Mais otimista. Mais benevolente. Mais crente. Mais atraente. Mais cuidadoso. Mais audacioso. Mais alegre. Mais intenso. Mais desencanado. Mais compreensivo. Mais inocente. Mais indecente. Mais contraditório. Mais empolgante. Mais menino!
*
Um samba das antigas, chamado Todo Menino É Um Rei, tem uma parte que diz assim:
Menino sonha demais
Menino sonha com coisas que a gente cresce e não vê jamais
Portanto, longa vida ao menino de todos nós.
(Publicado na edição de 17 de fevereiro de 2017)