Por Alan Caldas (Editor)
Quando viemos abrir o Jornal Dois Irmãos, em 1983, a cidade estava em plena fervura industrial. Havia muitas empresas calçadistas já imensas e outras, menores, surgindo a cada mês, bem como existiam dezenas de atelieres de sapato nascendo pelos bairros para prestar serviços a essas indústrias grandes.
A cidade transpirava progresso industrial e precisava de mão de obra, porque os pedidos de sapato no exterior se multiplicavam aos milhões. Dois Irmãos tornou-se um polo de empregos jamais visto e famílias inteiras de regiões distantes vinham para cá, a fim de trabalhar, ter renda e melhorar de vida.
Foi a Era de Ouro da exportação calçadista. Éramos o quarto maior exportador de sapatos no Brasil e batíamos no peito, dizendo e nos orgulhando disso, pois era uma honra para nós todos pertencermos a uma cidade com tanto progresso e organização social.
Em razão dos empregos e renda aqui adquiridos pelos que chegavam, víamos dia a dia o comércio e os serviços crescerem na cidade e se diversificarem graças ao emprego aqui adquirido por pessoas que ganhando salários se tornavam consumidores no município. Quem não viveu essa transformação, não tem noção do que perdeu. Naquela época Dois Irmãos era uma aula sócio, econômico e cultural.
Todos que chegavam aqui precisavam morar, mas a cidade não tinha estrutura para tantos. E foi aí que uma mulher com talento para negócios e relações humanas resolveu abrir uma pensão e alugar quartos para os que vinham trabalhar aqui. O nome dela era Maria Vier Hansen, e logo a “Pensão da Maria” ficaria conhecida e reconhecida como um ótimo lugar para se morar quando você era recém-chegado em Dois Irmãos. Havia outros, mas o dela era o melhor e mais bem localizado.
E quem era ela?
Dona Maria nasceu em 12 de maio de 1938, na localidade de Joaneta, que hoje é parte de Picada Café mas que, então, pertencia ao município de Nova Petrópolis. Dona Maria nasceu lá, filha de João Hansen, um homem de boas posses, e foi a filha mais alegre e agitada do casal. Gostava de falar. Gostava de estudar. Gostava de conhecer coisas novas. Com ela não tinha tempo ruim. Era despachada. E feliz.
Um dia ela estava com uma amiga e viu um professor. Olhou para ele. Gostou dele. E sonhou casar com ele. Mas... coitadinha... tinha somente 14 anos naquela época, e aquele desejo e paixão repentina acabou adormecendo nos seus sonhos de menina.
Adormeceu. Mas não morreu. E 5 anos depois aconteceu de ela estar em um baile em Santa Maria do Herval, quando viu lá do outro lado do salão aquele mesmo professor com o qual ela sonhara se casar quando ainda era menina.
Seu coração deu um salto. E ela sorriu. Mas não acreditava que um homem tão estudado viria falar com ela, que era apenas uma mocinha.
O cupido, porém, tem suas artimanhas. E ela não sabia, mas o professor também estava flechado. E foi assim que, tal qual num conto de fadas, a Maria viu o homem dos seus sonhos de infância ir lentamente atravessando o salão e chegar perto dela para estender-lhe a mão e dizer: “vamos dançar, Maria?”
Juntava-se, ali, a menininha sonhadora do passado e a agora moça e responsável Maria. E antes de conceder a dança ela lhe perguntou à queima-roupa e bem séria: “Você é casado?”
O professor sorriu, e segurando gentilmente a sua mão lhe disse: “ainda não, Maria!”. E os dois saíram bailando, sorrindo, falando, se apaixonando e sonhando até que ele um dia a levou ao altar onde ela lhe disse um apaixonado “sim”.
Casados eles vieram morar em Dois Irmãos, onde ficaram por 2 anos e meio. O pai de Maria havia comprado três terrenos aqui, na avenida 25 de Julho, e num deles havia um chalé onde o casal foi morar.
Nesse período, porém, Paulo Vier, seu marido, seguia trabalhando no Teewald, no moinho que tinha em sociedade com Bruno Vier. A jovem Maria não gostava de ficar sozinha aqui, enquanto o esposo ia para o Teewald, e após 2 anos ela e Paulo resolveram morar em definitivo no Teewald. Alugaram a casa que tinha aqui e por 10 anos morariam por lá.
Lá o casal tinha terras e Maria, cheia de energia, adorou trabalhar na terra. Mas ela havia estudado Corte e Costura, em Novo Hamburgo, onde tirou o primeiro lugar na turma. E lá pelas tantas tornou-se também costureira, melhorando a renda da família além da agricultura e de uma pequena criação de porcos que tinham. A vida do jovem casal seguiu feliz e a certa altura dona Maria se tornou também vendedora de móveis, para a empresa Borba, uma firma que hoje já não existe, mas que na época era muito forte.
Em 1960 dona Maria e o esposo vieram para Dois Irmãos. Quando chegou aqui, dona Maria logo viu que as fábricas estavam em alta e que muitas pessoas vinham para cá trabalhar nas indústrias de sapato e precisavam de lugar para morar. Olhando para o chalé e terrenos que tinha, ela decidiu ampliar a construção e criou ali 5 quartos, ao estilo quitinete, com um banheiro coletivo, e passou a alugá-los. Iniciava, assim, a histórica Pensão da Maria.
Mas ela não ficou só com a pensão, porque se tem alguém que precisa de atividade é a dona Maria. Aproveitando o tempo, o local e a clientela que já tinha ela abriu em sua casa uma lancheria, onde fazia pães, cucas e bolos que vendia para fora.
O casamento durou longamente. E o casal viveu bem. Porém dois anos atrás uma doença levou Paulo Vier, seu companheiro de uma vida inteira. Foi um momento triste, pois com ele dona Maria teve seus dois queridos filhos: Marciano Vier, de 60 anos, e Faustino, de 56, que lhe deram a neta, Rafaela, que é médica, e o neto Nicolas, que é engenheiro. Ficou um vazio enorme, mas a vida seguiu seu caminho. Ele lhe deixou lindas lembranças. E um marido que confiava nela. Achava que ela deveria estar sempre bonita. Que deveria sair com amigas. E sempre que ela voltava lá estava ele, com o chimarrão, esperando ela e dizendo o quanto ela era bonita. “Foi sempre um homem adorável”, lembra ela, “um homem raro e muito educado e querido, que me fez muito feliz”.
Dona Maria aposentou-se como costureira e ainda hoje costura, borda, faz crochê e tricô. Mas aposentadoria e ficar parada não é o seu destino. Ela é hiperativa. Ela não para. E nas horas em que sobra tempo lá está ela fazendo bolos, costurando, capinando o pátio, fazendo tricô, conversando com a vizinhança e arrumando novas amizades. Adora contar histórias. E tem sempre um sorriso gentil e uma pergunta agradável para quem dela se aproxima.
Não tem doenças, a dona Maria. Nem toma remédio. Faz exames de rotina com o doutor Delano Schmitt, seu médico de sempre, mas acredita que o melhor remédio é viver bem, é sorrir e esforçar-se por estar sempre ativa e com algum plano para o futuro. Por isso sua vida é plena de acontecimentos. Ela fez tempos atrás uma viagem de navio até Salvador, e gostou tanto que já está programando outras. Os 85 anos dela não lhe pesam. Ela sente-se leve como quando tinha a idade em que se apaixonou pelo então professor de seus sonhos românticos.
Recentemente ela encerrou um inventário. Com o dinheiro que lhe foi de direito a Maria reformou as casas antigas que lhe couberam na Joaneta. Casas que hoje lhe trazem as mais lindas lembranças da infância e juventude, recordações dos pais e dos muitos amigos que ela teve lá no início desta sua tão bem vivida e linda vida de mulher empreendedora.