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Mãos ávidas, teclados inocentes e o disparate.
Mistura rasa de ânsias, gabolices, desserviços.
O mundo virtual tem pouco de virtudes, muito de vícios. É o paradoxo da voz de cada um navegando (e naufragando) no alto-mar da surdez coletiva. Como diria a filósofa – de uma de tantas correntes sensacionalistas – Valesca Popozuda, late mais alto que daqui eu não te escuto. E nem tem como escutar mesmo, pois toda sentença é definitiva, inconteste, maioral, superlativa no único espaço que (me) importa: o MEU!
MEU DEUS!
Como chegamos até aqui?
Aliás, Deus deve andar de orelhas inchadas com seu nome ruminado por tantas bocas.
Esqueça a política, desista de ler O QUE NÃO ESTÁ ESCRITO nas entrelinhas. A eleição passará daqui a pouco mais de duas semanas, e muitos seguirão atrofiados por formas de pensar excludentes, perniciosas, discriminatórias. Ainda que representem formas distintas (ou nem tanto) de governar, os políticos também passarão; nós ficaremos.
Ficaremos, sim! Mas de que jeito?
Insistindo num discurso pré-pago que nos afasta e afaga o que pouco ou nada importa? Interpelando com deselegância quem discorda, tapando os ouvidos para os outros e para si mesmo? Sim, porque ruborizar seria inevitável para muitos que se prestassem a ouvir a própria voz em um momento de destempero, quando a agressividade vira argumento e a razão se esvai pelo ralo da autossuficiência. (Como é que é?)
Perdão se me faço prolixo.
(Se preferir, pro lixo com minhas divagações.)
Entendo que os políticos carregam a maior parcela da culpa por esse antagonismo quase bélico. Convém a todos nós, na medida do possível, não se deixar levar pela maré do conflito, do desprezo, da intolerância. Lembre-se que a vida seguirá depois do segundo turno e que seguiremos convivendo proximamente (ou nem tanto). O direito de defender o que se pensa é legítimo e inexpugnável, assim como o dever do respeito. (Ah, e o seu voto é seu, de mais ninguém.)
NA IMAGEM, uma das famosas obras do artista Banksy
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INSTANTE NA ESTANTE
Dewey tinha visto os dois morrerem, pois figurava entre as cerca de vinte testemunhas convidadas para a cerimônia. Jamais tinha assistido a uma execução, e quando pouco depois da meia-noite entrou no frio depósito, a cena o surpreendeu: tinha imaginado um cenário digno, e não aquela caverna mal iluminada atulhada de tábuas e outros detritos. Mas o cadafalso propriamente dito, com seus laços de corda amarrados a uma viga transversal, era muito imponente; assim como, num estilo inesperado, o próprio carrasco, que projetava uma longa sombra a partir de sua posição alta na plataforma, acima dos treze degraus do instrumento de madeira. O carrasco, um cavalheiro anônimo e calejado que fora importado do Missouri para a ocasião e que recebeu seiscentos dólares por seu trabalho, envergava um surrado terno de risca de giz de jaquetão, bastante espaçoso para a figura estreita que o ocupava – o paletó chegava-lhe quase aos joelhos, e na cabeça ele trazia um chapéu de caubói que, quando foi comprado, talvez tenha sido verde, mas que agora era uma coisa estranha descorada pelo tempo e por manchas de suor.
Dewey também achou desconcertante a conversa tensa e casual entre as demais testemunhas, enquanto aguardavam o começo do que uma delas definiu como “as festividades”.
A sangue frio – Truman Capote (1924-1984)
A história dos quatro membros da família Clutter, brutalmente assassinados, e dos dois criminosos, executados cinco anos depois