Por Bronilda Hackbart
Em 2001, fomos conhecer um sítio que estava à venda na área rural de Tapes. Era uma área extensa, com açudes, casas, galpões, pastagens e campos encoxilhados, longe da civilização.
Na chegada, um vento estranho para aquela época do ano bafejava, na cara da gente, uma halitose de eucalipto e solidão.
A família do caseiro veio nos receber na porteira. Foi então que avistei, encarapitada ali, a menina Andreia, de seis anos, filha do casal. Imediatamente, me apaixonei pelos seus grandes olhos, cheios de expectativa e alegria. Acho que o encantamento foi recíproco.
Sem cerimônia, a guriazinha me pegou pela mão e saiu mostrando a propriedade. “Aquela é a minha casa, e esta vai ser a tua!” Em seguida, apresentou seus bichos prediletos: a vaca Xuxa, o touro Popó, o gato Macho Brabo e um pato velho chamado Gordo.
Ao passarmos num potreiro, apontou uma antiga banheira, que servia de bebedouro para o gado. “Minha piscina!” Seguiu andando, e, em voz baixa, revelou segredos: “Vou contar só pra ti qual é o galho da bergamota mais doce. Olha só. Ano que vem tu provas.” (Achei esquisito que houvesse sabores diferentes no mesmo pé de fruta, mas não duvidei.)
Logo, correu pelo pomar, parou debaixo duma ameixeira e destampou um buraco na base da árvore, onde escondia objetos. “Não fala pra ninguém, tá, este é um tesouro do mar. Do maaar!” Eram conchas de diversos tamanhos, algumas desgastadas, sujas de terra. Andreia pegou uma concha grande e colocou na orelha meio oculta por sua carapinha. “Escuta o barulho, tá dizendo coisas. Vê se tu entendes...”
Não consegui falar, tão enlevada fiquei pelo mundo dela e pela forma que o descortinou. Embora morasse num casebre de chão batido, ela tinha riquezas imensas. Nunca tinha visto o mar, mas o admirava e queria entender seus supostos murmúrios. Conversava com animais e plantas, percorrendo descalça a terra que amava e conhecia bem. Além de ser uma criança linda, Andreia era uma corretora de imóveis em potencial. Vendeu-nos o sítio “Coxilha Verde” de porteira fechada com serviços de caseiro e tudo.
Na saída, perguntei a ela o que queria ganhar de presente no Natal que se aproximava.
A menina poderia ter pedido qualquer coisa, qualquer manufatura ou produto comestível. Pois, com certeza, na febre daquela paixonite, eu lhe daria o que pedisse, por caro que fosse. Porém, para minha surpresa, arregalando os olhos de longas pestanas, ela disse:
“Me traz uma criança pra brincar comigo!”