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Que falta faz um pouco de silêncio, não acham?
Vivemos tempos ensurdecedores, literal e metaforicamente falando. Barulhos constantes invadem todos os espaços possíveis, inclusive do sono. É um zunido perene que com o tempo a gente até deixa de perceber, mas que ali permanece com todas as suas contraindicações. Habituamo-nos aos ruídos, impomo-nos uma necessidade incômoda de sufocar o silêncio por medo de acabarmos sufocados por ele. (Deixe a TV ligada, pelo amor de Deus!)
Quantos são capazes de ouvir a própria respiração, de perceber a própria vida? Até parece recomendação em embalagem de bebida láctea: agite(-se) antes de viver. Não confunda com uma ode ao marasmo, à prostração: a quietude pode abrigar mais pulsação do que se imagina. Silêncio não existe apenas no sentido de calar, é também forma de expressão, de diálogo com o mundo, uma força necessária e premente. (Não é preciso sempre ter o que dizer.)
Barulho é algo que extravasa, vai além da simples conotação de ruído insistente e cansativo.
Vejamos um exemplo prático: o famigerado trânsito.
A poluição sonora não agride somente o sentido da audição, ela provoca uma sobrecarga emocional que ainda não sabemos bem como definir e administrar. Mesmo cidades pequenas encontram-se contaminadas pela histeria de sons acavalados em suas ruas. O que dizer do bando de infelizes e suas buzinas inoportunas, seus roncos exagerados e escapamentos distorcidos? Trava-se uma disputa irracional pela descortesia, pelo mau gosto.
A propósito, vale a lei do mais forte ou do mais burro?
Além de barulhento, o ambiente urbano tornou-se excessivamente perigoso. Ao temor da insegurança pública e da imprudência alheia soma-se o medo da insanidade que cada vez mais mostra suas garras em estradas e avenidas.
A psicanálise talvez possa explicar melhor essa metamorfose de angústias reprimidas, de fraquezas não admitidas em desafogos absurdamente violentos e sem sentido. Temos que aprender a lidar com o outro, sobretudo com nosso outro eu.
Não vou me estender, pois sei que também devo silenciar para melhor ouvir – inclusive o silêncio.
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INSTANTE NA ESTANTE
Nesses primeiros anos, a revolução pressionava sistematicamente os religiosos para que saíssem do país ou ficassem entre suas quatro paredes e não perturbassem. Dizia-se que alguns apoiavam e protegiam grupos de contrarrevolucionários. Acusavam os sacerdotes até de serem agentes da CIA. Nos jornais saíram alguns casos, com fotos e provas, portanto havia alguma coisa – ou muito – de verdade. Eram tempos convulsionados. Com muitos golpes baixos de ambas as partes. Não foi uma briga limpa. É ingenuidade pensar que pode haver fair play nesse tipo de conflito de grande magnitude. Nesses grandes e prolongados arranca-rabos entre dois países, vale tudo. Pouco a pouco vão sendo liberados os documentos secretos da época e tomamos conhecimento de alguma coisa. Não muito, mas pelo menos se pode entender o grau de violência e pressão diária que se desatou sobre as pessoas. A humanidade está sentada em um trono de sangue e dor. A verdadeira história nunca pode ser conhecida a fundo porque sempre há muitas mãos manipulando, escondendo, torcendo os fatos e, principalmente, os rastros que os acontecimentos deixam.
Fabián e o caos – Pedro Juan Gutiérres (1950)