Delegado Felipe Borba – Titular da Delegacia de Polícia Civil de Dois Irmãos
O ditado iniciado acima demanda uma nova interpretação. De fato, recomenda-se evitar intromissão em questões conjugais, inclusive por razões de etiqueta social e de educação. “Não se meta na vida dos outros” é algo que ouvimos desde pequenos.
Discordâncias, insatisfações, momentos de desarmonia e conflitos fazem parte de qualquer relacionamento humano. A natural complexidade dos laços afetivos parece justificar a postura de não interferir nas brigas de marido e mulher, deixando a colher guardada.
Entretanto, nos casos em que a mulher tenha sua dignidade sensivelmente afetada, a demonstrar que a vulnerabilidade, presumida pela legislação, está configurada, a colher deve ser retirada da gaveta.
Perseguições, ameaças, ofensas à honra, atentados contra a integridade física, desrespeito à liberdade sexual e outros atos que caracterizem violência doméstica e familiar contra a mulher não podem ser tolerados. Quando o gênero (feminino) e o respectivo desrespeito passa a ser a motivação da conduta do parceiro (marido, companheiro, namorado, etc.), não se pode mais enxergar o fato como uma mera briga de marido e mulher, uma vez que o problema ultrapassa a relação conjugal e atinge interesses de toda a coletividade.
Nessas hipóteses, a omissão tem que ser substituída pela ação. As insatisfações, desarmonias e conflitos, normais nos relacionamentos, seguirão administrados entre quatro paredes, mas a defesa da dignidade da mulher é tarefa de todos, autêntica obrigação moral de solidariedade, que inclui denunciar situações com essa repudiável natureza.
Grande parte das vítimas, em estado crítico de fragilidade, não tem condições psicológicas de enfrentamento, sequer capacidade de buscar auxílio externo. Nas Delegacias, repetem-se casos com um mesmo agressor e vítimas diferentes, evidenciando que não é um problema de marido e mulher, mas de indivíduos cujo menosprezo à figura feminina traduz-se em insistentes práticas de submissão e violência.
Há poucos dias, em Dois Irmãos, um cidadão resolveu acompanhar o irmão, que, inconformado com a manifestação da ex-companheira, de que não desejava seguir a relação amorosa, demonstrou estar disposto a tudo para convencê-la a reatar o relacionamento. Ao chegarem na residência do casal, o homem partiu para cima da ex-mulher, segurando-a pelo pescoço, empurrando-a e ofendendo sua honra. O precavido irmão, então, interveio, fazendo cessar a agressão contra a ex-cunhada, momento em que foi surpreendido pela existência de uma faca no bolso da calça do seu perturbado irmão, imobilizando-o até a chegada de ajuda policial.
Primeiro, a mulher estava certíssima em sua escolha. Afinal, o homem que não sabe lidar com um “não”, não é digno de receber um “sim”. Segundo, se o “intrometido” não tivesse metido a colher (na briga), o agressor teria metido a faca (na vítima).
Não é demais lembrar que a própria legislação propõe o emprego da colher. Está previsto no artigo 3º da Lei nº 11.340/06 que cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições para que as mulheres exercitem direitos básicos, como à vida, à saúde e à segurança.
Denunciando, você não desrespeita o sábio conselho “não se meta onde não for chamado”, pois todos somos chamados a contribuir com o rompimento de ciclos de violência de gênero. Tanto homens quanto mulheres estão sujeitos a serem vítimas de práticas criminosas violentas, mas são as mulheres que são vitimadas pela sua simples condição de mulher. Denuncie. Uma colherada pode salvar uma vida!