Fonte: Autoesporte
Falta de peças, fábricas paradas, dólar alto, combustível caro, redução no poder de compra. Não faltam motivos para explicar a queda nas vendas de carros novos no Brasil nos primeiros meses de 2022. Mas a crise no setor tem mostrado outra face. A procura por motos aumentou e o volume de emplacamentos nos veículos de duas rodas já se aproxima ao de automóveis.
Autoesporte buscou nos registros da Fenabrave, a associação das concessionárias, a participação dos dois segmentos no Brasil entre janeiro e abril dos últimos dez anos. A conclusão é que, com sobras, 2022 é o ano com maior proximidade entre carros e motos. Nesse período, foram vendidos 410.114 automóveis e 382.497 motocicletas. Em relação ao mercado, a participação é de 41,1% e 38,4%, respectivamente. Há um ano, os números eram 49,2% e 28%, na mesma ordem.
Carros caros, motos nem tanto
Autoesporte ouviu especialistas para entender as razões para esse movimento e as tendências para os próximos meses. A mais clara e fácil de identificar é a alta generalizada dos preços – seja dos veículos ou dos combustíveis. “Tivemos ao longo de 2022 um aumento violento no preço dos combustíveis. Esse fator é crucial para se entender vários itens, como o abandono de uso do carro. Além disso, com a desvalorização do real perante ao dólar, sem que os salários acompanhassem esses patamares, o poder de compra foi reduzido”, disse o Antonio Jorge Martins, especialista em gestão estratégica de empresas automotivas na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Isso não quer dizer que as motos não ficaram mais caras – pelo contrário. Mas elas ainda são uma opção bem mais acessível. Milad Kalume Neto, gerente de negócios da Jato Dynamics do Brasil, aponta que o valor médio dos carros novos vendidos em março foi de R$ 134 mil. O mais barato, Fiat Mobi, parte de R$ 61.990. Como comparação, por menos de R$ 10 mil é possível colocar uma moto na garagem. A discussão aqui não é sobre os pontos positivos e negativos, apenas uma comparação numérica.
Outra – dos custos com combustível – também dá ampla vantagem para as motos. Não é difícil que elas consigam rodar mais de 30 quilômetros usando um litro de gasolina. Nos automóveis, esse índice sequer é alcançado pelos modelos híbridos. Nem é preciso dizer que a manutenção das motos é menor.
Reflexos da pandemia
Para Milad, além do cenário econômico delicado, ainda existe certa preocupação com os efeitos da pandemia. “Quem não tem dinheiro para comprar um carro acaba se motorizando com uma moto. As motos são mais econômicas, o transporte público está caro. Nesse sentido, a motocicleta é um meio que te leva do ponto A ao ponto B sem a necessidade de caminhar e mais seguro em questões sanitárias”, afirma.
A pandemia ainda é a causadora de outros dois fenômenos. O primeiro é o fortalecimento do comércio eletrônico e o aumento da demanda pelos serviços de entrega. “Existe o efeito exponencial das entregas nesse novo momento de retomada do mercado. Os serviços de entrega puxam as vendas para cima”, completa Kalume. O segundo é a falta de peças, sobretudo chips semicondutores, usados em maior escala nos carros, mas também nas motos. Com a escassez desses itens, a produção de automóveis está sendo muito afetada, prejudicando igualmente a distribuição. São poucas as fabricantes que não pararam as linhas de produção em alguma unidade no mundo por essa razão. Com pátios vazios e clientela com menos dinheiro, as vendas naturalmente tendem a cair.
Público está mudando
Martins ainda aponta uma mudança no comportamento do público consumidor como um outro fator para justificar a maior procura pelas motos. Para ele, “parte da sociedade tem ido em direção a meios que minimizem o uso de motores a combustão. As motos elétricas são um exemplo, com forte impulso de venda”.
Nenhum dos especialistas se arriscou a prever se a procura pelos carros vai se normalizar ao longo de 2022. Até mesmo a indústria tem mais dúvidas do que certezas sobre o ritmo de produção nos próximos meses. A falta de componentes e a invasão da Ucrânia pela Rússia ainda provocam calafrios em quem precisa fazer projeções de produção e venda de veículos em todo o mundo. Assim, não seria surpresa ver as motos superando os carros ainda esse ano.