Amor e cuidado para superar o esquecimento

09/08/2024
Cleudi com seu pai, Erno

Cleudi com seu pai, Erno

Por instantes, talvez ele não se recorde das suas caminhadas pela cidade, mas, certamente, muitos dos moradores antigos de Dois Irmãos lembram bem de um senhor carismático, de estatura mediana, que durante muitos anos passou pelas casas com um cesto vendendo biscoitos produzidos pela família.

Aos 77 anos de idade, o senhor Erno Kunst, mais conhecido como o “velho da bolacha”, enfrenta os desafios do Alzheimer, uma doença que ocorre principalmente em idosos e tem como principal sintoma a perda progressiva da memória.

Ele foi diagnosticado com a doença no início de 2020 e desde lá os cuidados foram redobrados, buscando fazer com que o amor e o cuidado tornem as consequências do Alzheimer um pouco menos dolorosas, para ele e para a sua família. 

Reconhecendo as dificuldades impostas pelo Alzheimer, que em muitos casos exige acompanhamento 24h por dia, a família enfrentou o próprio preconceito e tomou uma decisão difícil, decisão está ainda muito criticada pela sociedade: a mudança do pai para uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI), espaços popularmente conhecidos como “lares de idosos”, que possibilitam que a pessoa receba atenção adequada e de maneira profissional.

Às vésperas do Dia dos Pais, uma das filhas compartilhou este momento e as dores que essa decisão ainda traz, mesmo sendo muito presente na vida dele e sabendo que é bem assistido pelos cuidadores do Bella Vida Casa de Repouso, localizado no município.

 

O diagnóstico

Separado da mãe dos seus sete filhos, seu Erno morou durante 15 anos com uma das filhas, Cleudi Kunst. Sempre foi muito ativo e trabalhador. “Minha vontade é de trabalhar, mas a idade não deixa mais”, disse ele, bem humorado, em conversa com o Jornal Dois Irmãos na terça-feira (6).

Cleudi conta que sempre teve uma relação muito próxima com o pai e levá-lo para morar com ela foi um processo leve e amoroso. “Sempre nos demos muito bem; nunca brigamos”, diz ela, contando que até o início de 2023, seu Erno ainda a ajudava muito na empresa, dedicada à fabricação de biscoitos. “De manhã ele me ajudava na empresa e à tarde frequentava bailes, palestras, hidroginástica. Tinha atividades quase todos os dias”, lembra.

O Alzheimer começou a se manifestar no início de 2020. Logo após os primeiros sintomas, que deixaram Erno cada vez mais dependente de cuidados, a família levou-o a um neurologista, e obteve o diagnóstico.  

 

A decisão

Com o avanço da doença, Erno exigia cada vez mais atenção. Como medida de segurança, e buscando proporcionar um pouco mais de mais de liberdade a ele, Cleudi passou a monitorá-lo através de um GPS. A partir do dispositivo, acompanhava todos os passos do pai. “Não tinha como deixá-lo um dia inteiro dentro de casa, sozinho; ele sempre foi uma pessoa muito ativa”, diz Cleudi, comentando que, no entanto, a preocupação era enorme todas as vezes que ele saia para a rua. “Recebíamos muitas ligações de pessoas também preocupadas, falando que haviam o visto na rua, às vezes às margens da BR-116”, comenta.

Entre esquecimentos e alucinações, confusão de pessoas e lugares, Cleudi conta que o pai ficou quatro dias sem dormir, fato que foi determinante para a sua mudança para o lar. “Estávamos todos esgotados. Percebi que não estava mais cuidando direito nem do meu pai, nem na minha empresa, nem da minha família, e muito menos de mim. As consequências do Alzheimer fugiram do meu controle”, lamenta ela, que reuniu os irmãos e, junto com eles, tomou a decisão.

Erno está no lar desde o dia 2 de maio de 2023. “Tirando a morte do meu irmão, foi o dia mais triste da minha vida. Senti-me a pior filha do mundo. Tive que passar por cima do meu preconceito, que era colocar um pai ou uma mãe no lar, e fazer essa escolha. Nos primeiros tempos, fui tomada pelos sentimentos de luto e fracasso. Em casa, não tínhamos vontade de fazer nada. Durante uns dois meses, vivemos essa espécie de luto”, diz ela, contando que muitas vezes saiu chorando do lar. “Sentia-me impotente, fracassada por não ter conseguido cuidar do meu pai em casa”, completa.

Pouco mais de um ano depois, Cleudi reconhece que, por mais doloroso que tenha sido, foi a melhor escolha. “Peço a Deus, todos os dias, para que me dê muito serviço, para que siga proporcionando uma maior qualidade de vida a ele”, reforça ela, que mantém o pai no lar com o apoio dos irmãos.

Mesmo não morando mais na mesma casa, as visitas são constantes. “Visito ele três vezes por semana e aos finais de semana o buscamos para ficar conosco, passear. Na semana passada, foi a um casamento”, conta Cleudi, fazendo um apelo a quem tem familiares nos lares: “Visitem, sejam presentes, atentos aos seus pais”, completa, reforçando que a mudança do pai para o lar ocorreu por necessidade, e não por comodismo: “O melhor lugar é sempre a casa da gente, é onde o amor está; mas a nós não restou outra escolha. O Alzheimer é uma doença muito traiçoeira”, finaliza.

 

“Perdoa pai, perdoa”

O amor pelo pai e a difícil decisão de colocá-lo em uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI) foi transformado na música chamada “Perdoa pai, perdoa”.

Composta por Cleudi, a música tem produção de Cauê Beltrame e foi interpretada pela cantora Jéssica Hansen, de Dois Irmãos. Ela pode ser ouvida no Spotify. O link de acesso pode ser conferido no Instagram @cleudi_kunst. Lá, ela também compartilha a história do pai e os desafios do Alzheimer, justamente com o objetivo de ajudar outras famílias.


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