Ex-detento fala sobre sua experiência dividindo cela de 7,5m² com outros 5 presos, em Montenegro
É difícil obter empatia dos leitores quando o tema é massa carcerária.
Em uma época em que o discurso de que “bandido bom é bandido morto” ganhou força na política, entender a realidade de quem está lá dentro é uma preocupação dispensada por muitas pessoas. Mas jornalismo não se faz com julgamento, neste sentido, a reportagem buscou um ex-detento pra relatar a experiência de privação de liberdade em um dos presídios em pior situação estrutural e de superlotação no Estado.
“Foi um choque”. Assim, R.F., 34 anos, preso por tráfico de drogas, descreveu sua reação ao chegar na Penitenciária Estadual Modulada Agente Penitenciário Jair Florin, em Montenegro. O motivo, contudo, não foi devido a recepção das outras pessoas presas na unidade, mas sim, pela estrutura física do local.
Com condições precárias de conservação, pintura descascando, rachaduras nas paredes e grades enferrujadas, o ambiente logo se mostra inóspito para quem habita o interior daqueles muros. R.F. ficou preso entre novembro de 2014 e junho de 2015, quando recuperou sua liberdade. Nos sete meses que esteve na Modulada de Montenegro, contudo, viveu e absorveu o dia a dia de uma cadeia gaúcha.
Apesar do baque inicial, conta, reconhecendo a “sorte” de não ter um passado de desavenças com outros presos. “Lá é um ambiente que acontece de tudo”, revela. Conflitos de rua não resolvidos, casos com mulheres de outros detentos e dívidas são alguns dos pontos que podem complicar, e muito, a vida nos pavilhões. “Isso é muito cobrado lá dentro. Tem muitas regras lá, eles (presos) são muito rígidos”. Aqueles que dão em cima das mulheres de outros presos recebem até uma identificação pejorativa, conta. “Don Juan”. A alcunha, normalmente vinculada a homens sedutores, lá dentro se transforma num fardo que pode trazer problemas e risco físico.
Ele também relata que o espaço era insuficiente. “As celas foram planejadas para duas pessoas. Ou seja, dentro da cela tem um beliche de concreto. Nenhuma cela tinha menos que cinco detentos”, revela R.F. Segundo ele, as celas têm 3m x 2,5m de espaço. Durante o tempo que cumpriu pena, dividia os poucos metros quadrados com outros cinco presos. Segundo ele, isso acontecia em todos os pavilhões.
A Penitenciária Jair Florin é dividida em pavilhões, também chamados de galerias. R.F. confirma que os líderes de facções exercem influência determinante nesses espaços. Cada galeria é estruturada como uma “prefeitura” conta. Na qual o “prefeito”, normalmente o criminoso de mais alto status na galeria, torna-se representante e responsável pelo o que acontece no pavilhão.
Segundo ele, os “prefeitos” são consultados pelos agentes penitenciários durante a triagem dos recém-chegados. Desta forma, reduz-se o risco de violência contra o novato. Por outro lado, isso também garante que os membros de facções permaneçam unidos no cárcere.
“Tem as galerias que são comandadas por facção, tem as galerias dos ‘Irmãos’, que são os evangélicos. Tem a galeria dos gays, assim como a dos pedófilos e estupradores”. No ambiente agressivo das penitenciárias, os homossexuais não são aceitos em nenhuma galeria, a não ser na “apropriada a ele”, revela.
Além disso, ele também confirma as histórias que se contam a respeito de quem comete crimes sexuais. “Esse tipo de crime é muito cobrado lá dentro. Eles pagam com dor. O que fazem na rua é feito com eles lá. Mas mesmo com a divisão das galerias, brigas acontecem. Tem pessoas boas e ruins. Normalmente têm desavenças. Brigas presenciei bastante, inclusive com facadas”, conta.
Ainda sobre os líderes das galerias, R.F. revela que eles contam com o apoio de “auxiliares” no controle do local, formando assim a “prefeitura”. Esta, por sua vez, é distribuída nas cinco primeiras celas do pavilhão. Deste modo, os agentes penitenciários já sabem quem são os líderes do grupo. Além disso, essas celas são diferentes das demais, contando com aparatos como fogão, torradeira e afins, o que garante maior conforto de quem a habita. A energia elétrica é improvisada pelos próprios presos. No período em que esteve preso, R.F. conta que a presença de telefones celulares não era tanta.
Livre desta realidade há quatro anos, R.F. toca a vida em São Leopoldo, onde possui uma oficina de estética automotiva que garante o sustento da sua família. Apesar do grande desgaste sentido por todos ao seu redor à época, hoje vê a situação como superada. Fala abertamente sobre o que viu, o que o levou até lá e reconhece: “Estava em um momento complicado, financeiramente. Queria passar bem, dar uma ostentada”, revela. O tráfico foi o caminho que o levou à antiga construção de apenados.
“Pode escrever tudo, a vida é assim. Altos e baixos. Cada um sabe o que é certo ou errado. E o errado é cobrado”. R.F. conta que foi preso sem condenação e cumpriu pena, sem julgamento, durante sete meses. Liberado por excesso de prazo (mais de 180 dias), encarcerado sem sequer uma audiência, benefício que diz ser conseguido por poucos, comenta. Em liberdade provisória, posteriormente, foi condenado a prestar serviços comunitários, a pena mínima do tráfico.
Cumpre a sentença na prefeitura de São Leopoldo, onde trabalha na manutenção dos veículos e na distribuição de medicamentos para a Farmácia Popular. Apesar dos problemas vividos, reconhece que passou por tudo com mais sorte do que a maioria das pessoas que caem nos superlotados presídios gaúchos.
Estrutura antiga é um dos pontos mais chocantes segundo R.F.
Reportagem: Bruno Flores, Murilo Dannenberg e Thaís Lauck
Fotos: Rodrigo Ziebell SSP