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Convidado do Redação SporTV desta quarta-feira, o médico e neurocientista Miguel Nicolelis defendeu a paralisação imediata do futebol no Brasil, diante dos recordes diários de casos e mortes de Covid-19 e o colapso do sistema de saúde no país.
– O futebol precisa parar porque o Brasil precisa parar. A Fiocruz soltou relatório de que estamos vivendo o maior colapso de saúde, sanitário e hospitalar da história do Brasil – disse Nicolelis. – A desculpa que não existem critérios médicos para parar o futebol não bate. A CBF usa uma rotina de testagem, que ela chama de grande protocolo. Basicamente, ela não informa nos 89 mil testes que fez, com 2,2% de positivo, que o teste que ela usa pode ter um falso negativo de 30%. O Camacho (Corinthians) foi retirado da concentração na manhã do jogo do Palmeiras porque estava com sintomas. O Valdivia (Avaí) jogou contra o CSA infectado. Temos absurdos em times de futebol por todo o Brasil – acrescentou.
Nicolelis também questionou o protocolo da CBF, que não leva em consideração o contato de jogadores, funcionários e pessoas envolvidas no futebol com suas famílias e outras pessoas. Para ele, apenas o sistema de “bolha”, como utilizado pela NBA na temporada passada, pode trazer segurança maior aos atletas.
– Se não fizer como foi feito na NBA, onde todo mundo fica no mesmo local, só vai jogar e volta, sem contato com ninguém, você não consegue fazer esse controle. Precisamos parar o Brasil, precisamos de um lockdown e restringir fluxo de pessoas pela malha rodoviária e aeroviária. Ou então vamos ter uma calamidade épica no Brasil. Ontem (terça), foram três mil mortos, e esse número só vai crescer.
Falhas no dia a dia
Alberto Chebabo, vice-presidente na Sociedade Brasileira de Infectologia, ressaltou em entrevista ao Seleção SporTV que o risco não diz respeito apenas aos dias de jogos, quando o acesso é mais controlado. É preciso também ter atenção à rotina dos clubes, com treinos, viagens e contato com funcionários.
– A gente sabe que a partida de futebol em si, realizada dentro das quatro linhas, tem muito baixo risco de transmissão. Mas o futebol e os esportes coletivos não acontecem apenas dentro das quatro linhas. Você tem todas as atividades, treinamentos, concentração, viagens, deslocamentos... Tudo isso envolve um número grande de pessoas. Algumas dessas pessoas precisam se deslocar em transporte público aumentando o risco de se infectarem. Tudo isso tem que ser avaliado. Os protocolos precisam ser muito bem estabelecidos – disse Chebabo.
– A principal falha que vimos no ano inteiro em relação à transmissão da Covid-19 nos clubes foi exatamente nas atividades que envolviam o treinamento e a responsabilidade dentro dos clubes e não no jogo. No momento do jogo, tudo estava acontecendo direito. O problema é na concentração, no CT... Protocolos que tinham a recomendação de que o jogador não usasse o vestiário não foram respeitados pelo clube. Além disso, nas viagens havia aglomeração dos jogadores em reunião e conversas. Isso favoreceu a transmissão. Os surtos aconteceram dentro dos clubes, no treinamento, no convívio diário. Talvez, as medidas tivessem que ser melhoras nos clubes para que as atividades acontecessem com menor risco de transmissão – completou.
Necessidade de medidas mais rígidas
O epidemiologista Roberto Medronho, em entrevista ao Tá na Área, também reforçou a necessidade de medidas mais rígidas no futebol. Além disso, destaca as aglomerações formadas para se assistir aos jogos.
– Os protocolos apresentados pelas federações são muito bem elaborados e tendem a diminuir o processo de infecção entre jogadores, comissão técnica e repórteres. Ele faz que tenhamos um jogo mais seguro, mas não impede aglomerações domiciliares para assistir ao jogo. Assistimos algumas aglomerações muito inadequadas na final da Libertadores. O futebol tem esse problema. Não é apenas a segurança dos jogadores e do entorno, mas também a possibilidade de haver aglomeração daqueles que querem assistir.
Medronho também se mostra contrário à realização de jogos de campeonatos estaduais em outros locais que estejam com menores restrições no momento. É o caso do Campeonato Paulista, que, diante da fase emergencial no estado de São Paulo, teve cogitada a possibilidade de jogos em Belo Horizonte.
– Por que a variante detectada em Manaus se espalhou pelo Brasil? Porque as pessoas viajam e levam o vírus. A redução da mobilidade tem que ser entre os estados. Se tivéssemos lá atrás decretado restrições para quem fosse ou saísse de Manaus, não teríamos essa disseminação tão grande dessa cepa – comentou. – A proposta de levar o campeonato para outro estado é uma proposta que sinceramente não pode prosperar. Espero que o judiciário não acolha essa proposta – concluiu.