
Herança dos imigrantes alemães
De origem alemã, a cuca é uma iguaria que atravessou gerações e continentes. Conhecida originalmente como Streuselkuchen – bolo com farofa –, surgiu nas regiões da antiga Silésia e Prússia e chegou ao Brasil no final do século XIX, trazida pelos imigrantes alemães. O nome vem da palavra alemã kuchen, que significa “bolo”, e assim como a própria receita sofreu mudanças, seu nome também foi adaptado e passou a ser chamado de cuca.
Na Alemanha, a farofa crocante que cobre o bolo é chamada de streusel, e é ela que dá à cuca seu visual e sabor tão característicos. No Brasil, especialmente no Sul, a receita foi se popularizando, tornando-se um dos quitutes mais tradicionais da região Sul. Durante muito tempo, a cuca era preparada e servida apenas em datas festivas, como Natal, Páscoa, casamentos e aniversários. Isto fez com que a cuca passasse a um valor simbólico, impregnado de lembranças e emoções.
A fim de manter viva a tradição de fazer cuca, um grupo de Rolante iniciou o processo de tornar esta iguaria em patrimônio cultural do Rio Grande do Sul. Através de um inventário realizado entre 2022 e 2023, foram realizados levantamentos e estudos relacionados ao modo de fazer cuca. De acordo com a chefe de Departamento de Cultura de Rolante, Joyce Reis, este inventário foi apresentado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), que analisou a pesquisa e publicou o parecer favorável. “Sendo assim, no dia 22/04/2025, em ato solene na Secretaria de Estado da Cultura, a Secretária Beatriz Araujo assinou o livro de registro declarando a cuca artesanal como patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio Grande do Sul”, comenta a gestora.
Ela comenta que o reconhecimento como patrimônio, além de valorizar os conhecimentos passados de geração em geração e dar protagonismo para as cuqueiras, que são as detentoras desse saber, agrega valor ao produto que mantem as tradições de fabricação artesanal. “Como a massa sovada à mão, os ingredientes provenientes da agricultura familiar, e o forno à lenha para assar e garantir aquele sabor colonial”, explica.
Tradição e aprendizado passados de mãe para filha
Dois Irmãos mantém a tradição sobre este saber, tendo na comunidade, diversas cuqueiras e cuqueiros, reforçando a importância desta iguaria ser, hoje, um patrimônio cultural.
Aos 74 anos, Marlene Schneider, aposentada e presidente do Clube de Idosos Reviver, é veterana na arte de fazer cucas. Ela compartilhou com o Jornal Dois Irmãos suas habilidades artesanais na cozinha. Além das cucas caseiras, também prepara bolos, roscas e pães.
A prática de fazer cucas foi passada de geração em geração. Marlene conta que aprendeu com a mãe a técnica de produzir cuca. “Embora ela não tenha me ensinado diretamente, eu, observando ela fazer cuca, aprendi e passei a fazer. Minhas tias também faziam e eu observava como fazer”, comenta. Ela conta que, antigamente, a cuca não era tão comum quanto hoje, e seu preparo era quase um acontecimento: “Eram produzidas apenas em datas especiais como Natal, Páscoa, Pentecostes e Kerb”, afirma.
Em 1989, Marlene começou a trabalhar no Bar do Avelino – bar da família, que funcionou até os anos 2000 – onde vendia cucas nos finais de semana. Eram feitas cerca de 30 unidades aos sábados, com sabores variados, como simples, chocolate, requeijão, coco, uva, laranja, abacaxi e outros. “Mas a cuca simples, aquela que não possui recheio, era a mais procurada”, conta.
Até hoje, a arte de fazer cuca permanece na família de Marlene. Sua filha Jaqueline, a exemplo da mãe, aprendeu observando. “Hoje, quem mais faz é a Jaqueline, mas eu ainda faço, às vezes, para os filhos e netos”, explica.
Marlene destaca que os principais ingredientes para uma boa cuca caseira são: banha, nata, sal, fermento, ovos, farinha e açúcar. Caso se deseje um recheio, basta adicioná-lo. Ela também destaca a importância de respeitar o tempo de fermentação da massa. Atualmente, o sabor mais procurado, especialmente entre as crianças, é o de chocolate. “Os meus filhos Marcos, Fernando e Jaqueline, e os netos Alan, Elen Bianca, Arthur, Fernanda e Augusto sempre pedem para fazer cucas”, orgulha-se.
Para Marlene, fazer cuca é mais do que cozinhar – é manter viva uma tradição familiar. “Acredito que a cuca ter se tornado patrimônio do Rio Grande do Sul é muito justa, pois é algo que está nas famílias há muito tempo. Eu sempre faço, não dá para deixar de fazer”, finaliza.