Fonte: g1 RS
Um levantamento do Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS) sobre os casos de feminicídios consumados e tentados em Porto Alegre mostra que a maior parte desses crimes é cometido na casa da vítima por atuais ou ex-companheiros que não aceitam o fim do relacionamento.
Entre os 176 casos analisados pela pesquisa, 80% foram tentativas, enquanto 20% são de crimes consumados. Entre todos, 69% foram cometidos ou tentados por ex (40%) ou atuais (29%) companheiros das vítimas e, em 58% das vezes, acontecem na casa da vítima. A pesquisa, realizada pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID) do TJ-RS, teve como base os processos que tramitam na Vara Especializada de Feminicídios da Comarca da Capital.
A pesquisa, apresentada na segunda-feira (17), também mostrou a incidência desproporcional desse crime contra mulheres negras, além da dificuldade de se estipular medidas protetivas antes da consumação ou da tentativa de feminicídio.
Perfil das vítimas e dos agressores
A motivação normalmente é o fim do relacionamento ou sentimentos de posse e de ciúmes (69%). Em 86% dos casos, as mulheres não contavam com Medidas Protetivas de Urgência (MPU). “Isso demonstra que a realidade é que os feminicídios estão relacionados não somente à condição feminina, mas também à violência doméstica”, afirmou a juíza-corregedora Taís Culau de Barros, coordenadora da CEVID-TJRS, ressaltando a importância de ações nessa área.
No que diz respeito à cor das vítimas, 61% são brancas, 24% negras, 12% pardas, 1% indígenas. “Se compararmos esse dado com o Censo de 2010 de Porto Alegre, a população branca equivale a 79%. A de cor negra, 10% e a de cor parda, igualmente. Vamos verificar que os feminicídios atingem de forma desproporcional aqueles que são pretos”, explica Taís. Somente 27% das mulheres vítimas de feminicídio ou de tentativas do crime têm relação de emprego formal ou informal e 33% têm filhos junto com os agressores.
Em relação aos agressores, chama a atenção o alto consumo de álcool (em 53% dos casos) e de drogas (48%). No momento em que a pesquisa foi feita, 48% dos réus estavam soltos. Além disso, 58% dos réus já tiveram alguma prisão anterior, e 85% respondem a outros tipos de processos criminais. A cada 10, sete respondem por processos de violência doméstica.
Atenção aos sinais
Irmã de uma vítima da violência doméstica, Dioneia Fermino conta que o crime aconteceu quando a vítima, mãe de dois filhos, menos esperava: no exato dia em que o relacionamento abusivo, que durou mais de 20 anos, estava oficialmente acabando. Ela foi morta com cinco tiros pelo ex-companheiro. “Quando tudo parecia estar se resolvendo, porque ele já tinha se afastado, tínhamos notícia de que ele estava namorando outra pessoa, aí aconteceu o fato no dia da audiência de dissolução da união estável”, conta Dioneia Fermino.
A promotora de Justiça Graziela Lorenzoni explica a importância de a vítima perceber que está sofrendo violência doméstica e denunciar às autoridades. “Por mais que o estado aja, proteja, seja por polícia preventiva ou ostensiva, a vítima tem que se apropriar desses sinais, perceber que está sofrendo violência doméstica, e que ela está crescendo. Pode redundar na forma mais grave de violência doméstica, que é o homicídio”, comenta.
Vara especializada
Em 2021, o RS teve queda no número de homicídios e latrocínio. Em contrapartida, o número de feminicídios, que são os crimes contra a mulher por questão de gênero, aumentou. Em 2021, 97 mulheres foram assassinadas. Já em 2020, haviam sido 80, o que aponta uma alta de 21%.
Em 8 de março do ano passado, foi instalada a 4ª Vara do Júri de Porto Alegre, especializada em feminicídios. Entre maio e dezembro foram realizadas 196 audiências envolvendo a instrução de 117 processos, com 68 instruções encerradas e 406 pessoas ouvidas. Foram proferidas 49 sentenças. “Ter uma vara especializada nos possibilita o mapeamento de dados e traçar um perfil de vítimas e ofensores. Isso ajuda a propor políticas públicas e projetos para que possamos trabalhar com a prevenção de situações que podem ser prevenidas e até mesmo evitadas para que não precisemos lamentar depois a perda de vidas”, afirmou a juíza-corregedora Taís Culau de Barro.