Prefeita Tânia da Silva
Tânia Terezinha da Silva, 56 anos, tem orgulho da história que construiu em Dois Irmãos. Natural de Novo Hamburgo, veio trabalhar na cidade em 1991, depois de ter sido aprovada em 1º lugar no concurso público para técnica de enfermagem, em 1989. A mudança definitiva se deu em 1994, e pouco tempo depois ela já escrevia seu nome na política local.
Foi eleita vereadora pela primeira vez para o mandato de 1997 a 2000, com 591 votos. Em 2000, ficou na suplência e em 2004 não concorreu. Em 2008, foi eleita novamente com a maior votação da história do Poder Legislativo de Dois Irmãos: 2.051 votos. Sua força nas urnas se transformou em dois mandatos consecutivos como prefeita (2013-2016 e 2017-2020).
Nesta entrevista, a mãe do Pablo, 31 anos, e da Hohana, 27, diz por que Dois Irmãos é um bom lugar para viver e estabelecer vínculos, fala de obras, futuro político e da sua saúde.
Como vê Dois Irmãos hoje, aos 60 anos de emancipação?
Tânia - Vejo uma cidade bem organizada, mantendo sua cultura dentro do possível e que tem um grande legado deixado pelos emancipadores. Há um voluntariado muito forte em Dois Irmãos, que eu sempre digo que tem muito a ver com a chegada dos imigrantes alemães. Tudo que se faz, tudo que se fala, tem sempre o dedo do voluntariado, e isso eu vejo que continua no DNA de Dois Irmãos. Independente de bandeiras partidárias, tivemos gestores muito responsáveis com o desenvolvimento da cidade. Temos empresas consolidadas, que nasceram no município e permanecem aqui. Devido à qualidade de vida que temos, às vezes fico pensando como será daqui a 60 anos, pois muitas pessoas estão procurando Dois Irmãos para viver. É uma preocupação e um cuidado que temos que ter para isso não se perder nos próximos 60 anos.
A senhora tem pouco mais de um ano de mandato pela frente. Como analisa sua atuação à frente da prefeitura nas últimas duas gestões?
Tânia - Desde o início, escolhemos uma equipe de muita qualidade, todos com alto perfil de trabalho. No primeiro mandato, atravessamos um dos piores períodos do nosso país. Tivemos um dificultador muito grande que foi o ‘fica Dilma’, ‘não fica Dilma’. Também teve a Copa do Mundo, que nos atrapalhou muito como gestores municipais, pois em Brasília só se falava disso. Aí, passa a Copa do Mundo e já começa um pleito eleitoral difícil e complicado. Ganha a Dilma no segundo turno e vêm os terríveis pacotes, com vários cortes. O próximo ano se inicia já com pedido de impeachment, e aí Brasília fica parada. É por isso que nós lutamos por um pacto federativo, pois, quando Brasília para, infelizmente também para o Estado e para o município. Assume Temer e acontece a mesma coisa.
Apesar de tudo, conseguimos manter nossas contas pagas em dia e todos os fornecedores pagos em dia; conseguimos ampliar as estratégias de saúde da família no nosso primeiro mandato de 20% até 90% das pessoas atendidas; conseguimos fazer várias pavimentações, aumentamos bastante o número de oferta de vagas de 0 a 3 anos e 11 meses (nas creches) e tivemos um olhar muito especial na área da educação. Então, apesar de todas as dificuldades, analiso que nosso governo é um governo muito bom. Gostaríamos de fazer mais, sim. As prefeituras em geral não têm mais aquele recurso livre em caixa, o nosso recurso é todo praticamente para custeio: pagamento dos funcionários, pagamento dos serviços, fornecedores e tudo mais. Faço uma divisão muito clara do primeiro mandato: no primeiro ano se aprende muito, pois não existe faculdade para ser prefeito; no segundo ano apanhamos demais, no terceiro ano fizemos muita coisa e no quarto ano a gente se prepara para sair. Mesmo tu sendo candidato à reeleição, precisa entregar as contas em dia.
Ganhamos as eleições novamente e, enquanto administração, eu e o Jerri decidimos trabalhar no custeio: como diminuir a máquina pública e como fazer gestão com aquilo que nós temos. O projeto de cidade inteligente, por exemplo: fizemos toda uma mudança no software da prefeitura, fazendo economia em combustível, serviço de telefonia (que agora é digital), na iluminação pública e com a informatização de todos os serviços. Portanto, nesta segunda gestão estamos atacando a diminuição do custeio da máquina pública, que estava muito pesado, e trabalhando pela desburocratização das ações na prefeitura.
Do que sente mais orgulho nos seus mandatos?
Tânia - Muitas coisas dão orgulho. Tem orgulhos físicos, como, por exemplo, a duplicação da ponte da Avenida Sapiranga. É um legado que se deixa de uma demanda muito antiga, assim como era uma preocupação na área de segurança pública, de ter uma ponte com apenas uma via que liga ao maior bairro de Dois Irmãos e a dois municípios vizinhos (Sapiranga e Campo Bom). Mas, o que eu mais tenho orgulho, é de manter as relações interpessoais. Não é fácil estar à frente de uma prefeitura há seis, sete anos e continuar mantendo uma equipe ativa, querendo trabalhar, tendo discussões, sim, mas tudo para o bem. Também tenho um orgulho pessoal, porque sou uma pessoa insatisfeita por natureza. Não me senti confortável porque fui para o segundo mandato, e acho que isso talvez eu tenha passado para as pessoas. Não fiquei na zona de conforto. Tenho orgulho de ser uma pessoa inquieta e de querer melhorar sempre.
Sobre o futuro político, quais as chances de concorrer a vice numa chapa de situação, como já se especulou nos bastidores?
Tânia - Não penso nisso e legalmente não posso ser vice do Jerri. No período eleitoral, ele não poderia assumir como prefeito, e, eu como prefeita, não posso ter um cargo como vice. Essa possibilidade não existe de forma nenhuma e, pessoalmente, eu não acho salutar. O Jerri é o nosso candidato a prefeito, e ele vai ter a sua linha de trabalho. Então, eu não posso ser a sombra do Jerri de querer fazer a continuidade da minha forma de trabalhar. Uma coisa é a forma de trabalhar, outra coisa são os projetos e o plano de governo. Eu sempre digo: para fazer um bolo, você pode ter a mesma receita, mas cada um tem uma forma de fazer e o bolo sempre vai sair diferente.
Numa possível eleição do Jerri, você aceitaria um cargo no governo?
Tânia - Não penso muito no futuro, então não tenho planejamento nenhum. O que eu tenho muito claro é que quero sair no dia 31 de dezembro de 2020 e tirar realmente umas férias, para depois pensar o que vou fazer. Tenho muitos planos, como por exemplo: cuidar de idosos, que eu adoro; retomar algo na saúde, mas não como técnica, e sim de outras formas; ajudar mulheres a se encontrarem, já que eu gosto muito de falar... Tem muitos eixos em que gostaria de atuar e que me dariam prazer, mas neste momento não penso nisso.
Seu nome também já foi ventilado mais de uma vez para concorrer a deputada estadual. Pensa nisso?
Tânia - Recebi, realmente, convites para concorrer a deputada estadual, mas neste momento não me passa pela cabeça. Na minha vida não digo ‘nunca’, nem ‘sempre’, pois para mim são palavras que não deveriam existir nem no dicionário. Essa história de ‘onde cuspo, não lambo’, já tive que lamber muito; e ‘dessa água não bebo’, depende do deserto em que você está.
O que representa ter sido eleita a primeira mulher prefeita de Dois Irmãos e o fato de, como negra, comandar um município de origem alemã?
Tânia - Essa é uma pergunta que muitos me fazem e às vezes sou mal interpretada, mas é um pensamento meu e eu sou obrigada a não usar paradigmas. Eu acredito muito no trabalho. Comecei a trabalhar aqui em 1991, na unidade móvel de saúde. Esse ônibus ia a todos os bairros onde tinha escola. Os alemães, por si só, são um povo muito fechado, e eu tenho esse meu jeito... Como profissional da saúde, eu não me conformo em fazer só uma vacina e não perguntar para a pessoa como está o filho dela, verificar uma pressão arterial e não perguntar se a pessoa está se alimentando bem ou se incomodou com algo... Isso fez com que eu tivesse um vínculo com a comunidade.
Em 1996, fui eleita com 591 votos. As pessoas votaram em mim porque viram na Tânia uma pessoa legal, uma pessoa querida, uma pessoa que pudesse ajudá-las, que pudesse mudar a vida delas ou não, enfim, viram em mim capacidade disso. Em 2008, foi a mesma coisa. Acredito que as pessoas votaram em mim, em todos os pleitos, por acreditarem em um projeto de governo, por acreditarem que se pode fazer a diferença, sim, mas não por eu ser mulher ou negra. Eu não acredito que você deve votar numa pessoa pela cor da pele ou pelo gênero, e sim por acreditar em um projeto de governo, pois isso é diferente de estimular as mulheres a fazer parte da política. Em todos os momentos em que essa comunidade me apoiou, ela não viu a cor da minha pele; ela sentiu que eu poderia fazer a diferença na vida dela, que essa equipe poderia fazer a diferença.
Neste tempo em que vive em Dois Irmãos, alguma vez sofreu preconceito?
Tânia - Faço a mesma pergunta para o Pablo e a Hohana... O preconceito, ele existe de várias formas, não só em relação ao negro. Mas eu vejo que a postura, tanto minha quanto do Pablo e da Hohana, é uma postura que a gente não sente esse preconceito. Por exemplo: se eu vou numa loja ou supermercado e alguém chama outro na frente, o que talvez já tenha acontecido em algum lugar, eu não levei para o lado do preconceito; levei para o lado de que a pessoa não viu que eu estava ali. Talvez tenham acontecido algumas minúcias, mas que eu não tenha interpretado ou não tenha sentido como preconceito. Esse preconceito que muitas pessoas relatam, eu não senti nesta cidade. E, se teve, eu não percebi.
Como descobriu que teria que passar por uma cirurgia? E como está sua saúde hoje?
Tânia - A gente sempre fala da importância de fazer os exames periódicos pré-câncer para todas as mulheres. Comecei meu tratamento quando eu ainda trabalhava no postinho do Travessão. Em 2011, fiz meu pré-câncer e deu alterado. Neste mesmo ano já fiz um pequeno procedimento, pois já havia indícios de câncer de colo de útero. Continuei me tratando no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, fazendo revisão a cada seis meses. Eu deveria ter tido alta em cinco anos, mas não tive, pois os exames começaram a alterar de novo. Em 2018, continuou alterado, e agora, em 2019, foi quando a equipe disse: “Vamos ter que fazer cirurgia porque não estamos mais visualizando se tem alguma coisa que já está indo para o intestino ou para a bexiga”. Por isso, tive que fazer esse procedimento de alta complexidade. (No início de junho, ela passou por uma histerectomia com anexectomia via abdominal. Histerectomia é uma cirurgia realizada para a remoção do útero. Quando tal procedimento envolve ainda a retirada dos ovários e trompas, é chamado de histerectomia com anexectomia). Foi retirado tudo, as lesões e o câncer que havia no útero. Eles retiraram todo o útero para ver se não havia ramificações, e não havia. Não precisei fazer radioterapia nem quimioterapia, e agora vou continuar com o acompanhamento. Estou bem, e volto a frisar a importância de não ter medo e de fazer os exames pré-câncer e o acompanhamento.
Uma das principais reivindicações na cidade é a construção da nova emergência (foto), uma promessa que vem desde a última eleição. Quando será inaugurada? Por que a demora?
Tânia - Nós iniciamos a obra porque ela era necessária e porque estamos quase sendo ‘despejados’ do prédio do INSS, algo que eu não concordo e que mais adiante a prefeitura pretende contestar juridicamente. É um terreno doado pelo município, na matrícula consta que é ‘doação para o Instituto de Saúde e Previdência Social’. Tivemos que assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) na frente do juiz, senão iríamos ser despejados. Agora, estamos pagando aluguel (do prédio do Posto 24h), o que não acho justo, pois a prefeitura entrou com o terreno para ter um prédio da Previdência Social, que atendia saúde e na época era para Dois Irmãos, Morro Reuter e Santa Maria do Herval. (A cobrança do aluguel começou em setembro de 2016 e o valor mensal pago atualmente é de R$ 5.860,00).
Quanto à nova emergência, havia um planejamento inicial, mas, como em toda obra, quando a gente começa a derrubar paredes, percebe que vai ter que fazer algo mais complexo. Foi aí que nós fomos buscar o financiamento no Badesul. Temos um projeto da emergência toda modernizada, interligada ao Hospital São José, o que antes não havia, e a previsão de um bloco cirúrgico em cima, que vai ficar com tudo pronto. A demora nos angustia muito, mas uma construção na área da saúde é muito mais difícil do que qualquer outra coisa, afinal são legislações que precisam ser cumpridas. O nosso cronograma é terminar este ano, porque nós precisamos. É impossível continuar com a emergência onde ela está hoje, até por uma questão de logística. Por exemplo: se tem um acidentado, ele vai para a emergência na Av. Sapiranga, vem fazer raio X no hospital, volta para o médico ver o raio X e assim vai.
A demora da obra não é financeira, pois nós pegamos um financiamento no Badesul, e à medida que são feitas as medições o dinheiro é liberado. (O investimento é calculado em R$ 1.780.825,40 para uma área construída de 1.571m²). O problema é a logística da obra em si. A ideia é terminar até o final do ano e colocar em funcionamento imediatamente. Quanto à gestão (se vai precisar de mais funcionários), nós ainda estamos vendo como será feita.
O que esperar dos próximos 60 anos de Dois Irmãos?
Tânia - Antes, gostaria de dizer que muitas obras ainda devem sair, como pavimentações, e que continuamos incessantemente atrás de recursos para fazer a outra ponte no bairro Vila Rosa (ao lado da Ponte de Pedra, que é tombada pelo patrimônio histórico). Já temos um croqui, porque não adianta pagar R$ 100 mil para fazer um projeto se a gente não conseguir logo o recurso. A projeção que nós temos é deixar essa ponte como ela está e fazer dela um ponto turístico, com bancos para as pessoas sentarem e iluminação especial. Queremos que seja um resgate cultural. Ao lado (em direção ao São João), a ideia é fazer uma ponte totalmente nova e desativar esta para qualquer tipo de veículo. O governo Tânia e Jerri termina em 31 de dezembro de 2020, e até lá vão acontecer muitas coisas. Muitas pessoas acham que é porque tem eleição, mas um governo não pode parar em ano eleitoral. Não sou candidata a nada e quero trabalhar até 31 de dezembro inaugurando obras e buscando recursos.
Retomando a pergunta inicial, eu imagino Dois Irmãos daqui a 60 anos como uma cidade que continue evoluída, crescendo, com saúde e qualidade de vida. Mas isso vai depender de nós, não depende somente do poder público. Depende das nossas atitudes dentro do município. A municipalidade, o Rio Grande do Sul e o país são muito importantes para a nossa vida, mas são as nossas atitudes que fazem a diferença. Não adianta ter um discurso lindo, dizendo que é a favor do meio ambiente, se a pessoa abre a janela do carro e joga o lixo na rua. Está na hora do discurso vir para a nossa vida. Os discursos da nossa geração estão muito bonitos, mas precisam entrar dentro de nós. Voltando à questão do preconceito, Dois Irmãos mostrou que o discurso não é só discurso, tanto que votaram em mim. Dois Irmãos saiu do discurso e mostrou que a realidade aqui é assim, e serve de exemplo para muitos que têm discursos bonitos. Portanto, os próximos 60 anos do município dependem do que nós fizermos agora, neste momento.
Obra da nova emergência no Centro