Lori com uma foto da loja: “Eu sempre fui muito amada pelo povo”
Maria Lori Dapper é conhecida pelo comércio Casa Lori e por ser uma parte importante da construção da história de Dois Irmãos. Em sua casa, cercada de flores e estatuetas de santos, ela conta, entre palavras em alemão e em português, sobre as lembranças dos seus 85 anos bem vividos.
Lori nasceu no dia 17 de março 1936, no Vale Esquerdo. O pai de Lori nasceu aqui também e os tataravôs dela foram uma das 16 famílias que fundaram a cidade. Ela conta que os tataravôs estavam entre os náufragos do navio Cecília, e que eles prometeram que se conseguissem terra iriam fazer uma festa para celebrar aquele dia. Desde jovem até os seus atuais 85 anos, a celebração do dia 29 de Setembro, o dia de São Miguel é uma data muito importante para dona Lori.
Ela cresceu em uma família humilde e desde cedo ajudava os pais a vender frutas e legumes na beira da estrada. Dessa forma, aprendeu a vender e desenvolveu a parte comercial – que mais tarde mudaria sua história. Lori começou trabalhando com chinelos que eram produzidos em casa e na fábrica de calçados. “Quando eu casei, eu queria muito ficar trabalhando na fábrica, mas o dono me botou pra rua, porque não queria mulher que pudesse ficar grávida lá dentro; eram outros tempos”, recorda.
O início da Casa Lori
Assim que saiu da fábrica, decidiu abrir um armazém de secos e molhados com o marido, pois tinha vontade de ter o próprio negócio. Um tempo depois eles decidiram vender o armazém e abrir a Casa Lori, no ano de 1962. O local contava com uma variedade de produtos que foram se alterando ao longo do tempo, mas alguns itens comercializados eram: roupas, cestas de vime, brinquedos, roupas de cama, vestidos de noiva, joias e relógios.
A Casa Lori foi o terceiro comércio a ser aberto na cidade. Lori diz, entre risadas, que decidiu abrir a loja “para ter pão para comer”, e acrescenta: “As pessoas vinham comprar na Casa Lori lá do Herval, de Padre Eterno, de Morro Reuter, porque ali não tinha comércio ainda na época”. No início, ela ia comprar os produtos em Canela, Nova Petrópolis e Gramado, trazendo para vender em Dois Irmãos. Nos anos 80, começou a ir de avião para comprar mercadorias em São Paulo. “Ela era bem à frente do tempo dela, bem visionária. Naquele tempo tudo era bem mais difícil. Ela ficava uma semana em São Paulo e depois voltava com os caminhões de mercadoria”, conta a filha Marislane Dapper.
O comércio antigamente ficava aberto de domingo a domingo, dia que tinha um maior movimento devido às missas. Lori conta que tinha gente que vinha até de Porto Alegre e São Leopoldo comprar na loja, pois achavam as coisas muito bonitas.
Contribuição para a sociedade
Quando alguns residentes da cidade estavam no hospital para ganharem seus filhos, na volta eles não tinham como pagar um táxi e Lori pegava a caminhonete verde dela e ajudava os que precisavam a chegarem até em casa com as crianças recém-nascidas. Além disso, quando nascia uma criança, ela dava um anjinho de porcelana, e existem pessoas até hoje que têm esse anjinho. Lori também ajudou a dar nomes para algumas crianças que nasceram em Dois Irmãos. Em retribuição, os novos pais às vezes traziam sacos de batata ou frutas como forma de agradecimento.
Ela também fazia questão de no final do ano ligar para o hospital e perguntar quantos enfermos tinham. Então, ela pedia para os funcionários fazerem um presentinho na Casa Lori para cada um deles, que era levado para os doentes no dia do Natal. Ela sempre se envolveu com a comunidade e por isso diz com orgulho: “Eu sempre fui muito amada pelo povo”.
Principais diferenças ao longo dos anos
Antigamente, as famílias eram mais numerosas, principalmente no interior. Segundo Marislane, quando eles chegavam para comprar roupas na Casa Lori, era uma “escadinha de filhos e eles faziam um rancho”. A abundância também era nítida no Natal. Não existia amigo secreto, e todo mundo se presenteava. “Se a avó tinha 12 netos, ela comprava presente para os 12 netos”, relembra a filha de dona Lori.
Um requisito essencial para trabalhar no comércio era saber falar alemão, já que naquela época muitas pessoas do interior não sabiam se comunicar em português. Além disso, antes havia apenas mulheres trabalhando na área do comércio, e na atualidade os homens também participam. Crianças ajudavam no cotidiano do trabalho, algo que não é mais permitido. Dona Lori conta que tudo que ela vendia era controlado por um caderno de anotações e que era comum vender fiado – “a gente podia confiar mais”, diz ela. Hoje em dia, a maioria dos comércios conta com registros eletrônicos ou recursos mais modernos de caixa.
Outro aspecto ressaltado é que com a expansão de Dois Irmãos vieram muitas pessoas novas e diminuiu o hábito de se cumprimentar na rua, já que anos atrás praticamente todo mundo conhecia todo mundo.
Fechamento de um ciclo
No ano de 2016, a família decidiu encerrar as atividades da Casa Lori, com 56 anos de empresa. Os filhos explicam que foi o fechamento de um ciclo e que eles buscaram outras oportunidades. Para eles, é reconfortante pensar que antigos funcionários da Casa Lori abriram outras empresas ou conseguiram boas recolocações, e que a história foi encerrada de forma positiva. “O comércio local, quando encerra um ciclo em Dois Irmãos, ele termina bem, em alta. A cidade é um lugar de vencedores, de gente à frente do seu tempo. Isso é o maior legado que os nossos antepassados passaram: o de ter fé, esperança e de sempre manter a cabeça erguida”, diz Rogerio Dapper, filho de dona Lori.