É bom ficar entediado? Os benefícios inimagináveis de não fazer nada para a mente

20/02/2025
Fonte: La Nacion / Foto: TED Conference/Flickr

Fonte: La Nacion / Foto: TED Conference/Flickr

O biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget, criador da epistemologia genética, o estudo de como se geram novos conhecimentos, reconhecido por suas contribuições à análise da infância e por sua teoria do desenvolvimento da inteligência, afirmava que “a inteligência é o que você usa quando não sabe o que fazer”.

Esta deve ser uma das ideias que inspirou Manoush Zomorodi (foto), ex-apresentadora da BBC e especialista em negócios e tecnologia na Reuters, que, surpresa por não conseguir desacelerar nos finais de semana, tomou um caminho diferente na comunicação e se abriu ao mundo dos podcasts.

– Redescobri a intimidade neles – conta Manoush. – Eles me permitem experimentar e compartilhar a emoção. É uma proposta que parece bidirecional: eu falo e você me escuta enquanto sai para correr ou está no carro.

O podcast “Note to Self” foi lançado por ela em 2012 e explora a relação das pessoas com a tecnologia. No meio disso, surgiu um livro que se tornou best-seller “Bored and Brilliant: How Spacing Out Can Unlock Your Most Productive and Creative Self” (“Entediado e brilhante: como o lazer pode libertar o eu mais produtivo e criativo”, em tradução livre).

 

Por que temos medo de ficar entediados?

Quando estamos entediados, nossa mente começa a divagar... e, muitas vezes, isso leva a problemas que precisam ser resolvidos. Essas dificuldades podem ser tão simples quanto o que preparar para o jantar ou muito mais sérias, como para onde vai o meu parceiro. Em qualquer caso, resolver problemas é um trabalho árduo para o cérebro. Ele é um órgão preguiçoso. Sua zona de conforto é como o quintal de casa, onde ele relaxa de pantufas e deixa a máquina funcionar sozinha. É muito mais fácil nos distrairmos com as redes sociais ou os jogos, pois isso impede que o cérebro pense. Não é que tenhamos medo do tédio, mas o cérebro, agindo como um preguiçoso, dispara alarmes contra ele. Quando essa sensação aparece, ele se vê convocado a trabalhar, a criar algo para sair dessa situação. Essencialmente, espero que você não se sinta culpado por não fazer nada. Ao pesquisar sobre o lazer, entendi melhor a produtividade que surge quando se dá tempo ao cérebro para processar o que aconteceu. Eu posso me permitir não estar “ligada” o tempo todo. Acontece que quando você fica entediado, você ativa uma rede no seu cérebro chamada “modo padrão”.

 

Os neurocientistas afirmam que é necessário não fazer nada para estimular a criatividade. Como funciona esse mecanismo?

Já aconteceu de aparecerem ideias diferentes ou soluções para aquele problema que parecia impossível quando você está tomando banho, durante uma caminhada matinal ou enquanto cozinha? Isso acontece porque, quando o corpo entra em piloto automático, o cérebro se ocupa de formar novas conexões neurais que conectam ideias e resolvem problemas. Embora nosso corpo funcione em piloto automático enquanto realizamos tarefas mundanas como dobrar roupas ou caminhar até o trabalho, nosso cérebro está trabalhando arduamente. Quando você começa a sonhar acordado e permite que a sua mente divague, você começa a pensar além, o que permite que diferentes conexões sejam feitas.

 

A senhora analisou com ressonâncias magnéticas cerebrais o que acontece nesse órgão quando nos aborrecemos. O que ocorre lá dentro?

A sua mente começa a conectar ideias diferentes e a resolver problemas à medida em que você começa a fazer algo chamado planejamento autobiográfico, um processo no qual olhamos para trás, anotamos os grandes momentos, criamos uma narrativa pessoal e, em seguida, definimos metas e determinamos quais passos devemos seguir para alcançá-las.

 

As telas têm cortado a oportunidade de nos manter entediados. Que estratégias você propõe para ganhar essa batalha?

A tecnologia oferece um grande conforto, mas esse conforto tem um preço. A moeda da informação é a atenção. Já foi dito um milhão de vezes, mas vale a pena lembrar constantemente: desligue as notificações, elimine os aplicativos que te distraem, reserve tempo no seu calendário para pensar mais profundamente. Aprendi a me perguntar de vez em quando que ferramenta, aplicativo ou plataforma está me ajudando e qual está me prejudicando. Precisamos aprender a distinguir as soluções que tornam nossa vida mais eficiente daquelas que nos sobrecarregam, nos demandam e nos chamam a atenção o tempo todo. Quando a resposta é uma dúvida, coloco um alerta e decido dar um tempo desse recurso para avaliar sua ausência. Se, na próxima vez que pegar o celular, você se perguntar o que está realmente procurando, vai reduzir significativamente sua conectividade. Se a resposta for que você o faz para se distrair de uma tarefa exigente por um tempo, em vez de se afundar na tela, é melhor dar um descanso, fazer uma caminhada real, olhar pela janela ou dar uma volta no quarteirão. É importante ter em mente que ao não fazer nada por um tempo, você está apostando em ser mais produtivo e criativo. Talvez você não se sinta confortável com a ideia no começo, mas aos poucos você vai se convencer do caminho de eficácia ao qual você vai chegar graças a essas decisões.

 

Passamos mais tempo ansiosos e angustiados do que nossos pais. Podemos nos recuperar dessas sensações também?

Essa é uma pergunta muito interessante, mas bem complicada. Acho que a resposta é diferente para cada um, mas, claro, as pesquisas mostram que a meditação, o exercício e a interação pessoal com outras pessoas podem ajudar a nossa saúde mental. Terapia, também, claro. Particularmente, gosto de checar comigo mesma no final do dia como estou me saindo. Onde estou com tensão muscular? O que me faz franzir a testa? Entender o que me incomodou física ou mentalmente realmente me ajuda a me restabelecer.

 

Você é uma pessoa que gosta de fazer coisas, e o entusiasmo é uma forma de tirar o tédio da vida. Como consegue criar seus próprios momentos de tédio?

Adoro fazer longas caminhadas sem ouvir nada. Não levo música, não ouço podcasts. Só me levo. Os primeiros 15 minutos são inevitavelmente desconfortáveis enquanto trabalho na minha lista de tarefas, nas questões que me sobrecarregam ou me preocupam. Mas depois disso, meu cérebro começa a trabalhar para abordar ideias maiores, estranhas e criativas. Eu realmente consigo minhas melhores ideias nesses momentos. O curioso é que quando esse tempo não acontece por alguma razão, sinto falta dele. Fico menos criativa. Meu cérebro clama por esse espaço de brincadeira livre para ele.

 

Supõe-se que a tecnologia e o progresso nos deixaram com mais tempo livre. Mas estamos mais ocupados do que nossos pais. O que você pensa sobre isso?

Acho que precisamos nos lembrar constantemente que não podemos fazer tudo. Estabeleça prioridades, veja o que é urgente e o que você realmente deseja fazer. Está tudo bem em deixar o resto para trás. Eu fui atrás de dicas nas neurociências e descobri que, quando você desliga a mente, o modo padrão te permite divagar por espaços criativos. Pontes impensáveis se tecem com os dados armazenados e então cria-se o que os cientistas chamam de planejamento autobiográfico, que define para onde se quer ir e como fazer isso.

 

Foi feita uma pesquisa entre os ouvintes de seu podcast. Poderia contar mais detalhes das conclusões?

Convidamos os ouvintes a passar menos tempo nas telas e propusemos alguns desafios simples, como não tirar fotos por um dia ou eliminar o aplicativo que mais consome tempo fora do trabalho. Depois recebemos e classificamos suas impressões. No total, foram 20 mil participantes. Curiosamente, o que começou sendo temido, o tédio, acabou sendo amplamente descartado como um problema. Mais de 60% dos participantes se tornaram mais criativos e produtivos, com ideias surgidas desse tempo ocioso. Segundo a neurociência é assim: quando você desliga a mente, na verdade ela não se silencia, ela se ativa.

 

Você poderia dar dicas para trabalhar com crianças e ajudá-las a ficar no tédio?

Começaria explicando a elas que, quando nossa mente divaga, encontramos uma maneira de ser mais criativos. Eu as convidaria a tomar um banho relaxante e se concentrar apenas no que estão pensando. Eu sugeriria abandonar o telefone por um tempo para ler um livro ou ouvir música. Brincaria de deitar no chão e olhar o teto por pelo menos um minuto, melhor ainda se for ao ar livre e puderem olhar para o céu. Eu sugeriria que ajudassem em casa com tarefas simples e tranquilas, como regar as plantas, dobrar ou pendurar roupas, organizar uma prateleira ou uma gaveta. Que todos possamos aprender a estar juntos de uma forma tranquila.


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