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Por Alan Caldas (Autor)
Eram 20 horas, exatamente, da noite de 27 de fevereiro de 1953 quando Stalin se acomodou no camarote do Bolshoi, em Moscou. Era a enésima e última vez que assistiria a opera O Lago dos Cisnes, de Tchaikovski.
Ao final, Stalin mandou agradecer aos atores pelo magnífico espetáculo. Voltou para sua casa, entrou em seu escritório e continuou a trabalhar até as 3 da manhã, como sempre fazia.
Na noite do dia seguinte, 28 de fevereiro, na companhia de 4 colegas do governo, Stalin assistiu a um filme em seu apartamento, no Kremlin, ao lado da Praça Vermelha.
Após isso, foram para Kuntsevo, em sua casa, para um daqueles jantares tardios que Stalin apreciava e dos quais seus colegas e colaboradores, mesmo não gostando, se obrigavam a participar.
Eram 4 horas da manhã quando finalmente os 4 colegas puderam ir para as suas casas.
Stalin se despediu dos 4 e, a seguir, fez algo que nunca antes havia feito: chamou os guardas que lhe assessoravam e protegiam e disse-lhes que iria se deitar e que eles poderiam descansar também.
Os guardas se olharam. Uma tensão pairou no ar. Nunca ele havia dito algo semelhante. Algo estranho. Mas Stalin era inquestionável. E todos obedeceram.
O líder russo deitava sempre às 5 ou 6 da manhã e se levantava em torno das 11 horas. Porém, naquele dia, era já passado do meio-dia e não se ouvia um ruído sequer vindo do quarto de Stalin.
Os guardas e empregados domésticos estranharam o silêncio. Nenhum deles, porém, se atreveria a entrar no quarto sem que Stalin chamasse.
As horas foram se passando e nada de ruído no quarto. Todos colocavam o ouvido na parede, tentando ouvir algum movimento, e nada ouviam.
Stalin havia deitado às 4 horas. Normalmente, ele levantaria às 10 ou 11. Porém às 15 horas ainda não dera sinal de vida.
A preocupação tomou conta dos guardas e funcionários que assessoravam Stalin.
Todos se perguntavam o que fazer. Mas ninguém se arriscava a entrar no quarto. Espreitavam o mais que podiam em busca de um sinal de vida, mas nada ouviam.
Eram 18h30 quando, finalmente, uma luz se acendeu num dos aposentos de Stalin.
Lá fora, todos respiraram aliviados e esperaram que ele os chamasse. Porém isso não aconteceu.
A luz acendeu no quarto do líder, que tinha, junto, salas, refeitório e um gabinete de trabalho, mas tudo continuou em silêncio total. Só a luz. Nenhum som. Nada de ruído. E as horas passando.
Deu 20 horas e nada. Deu 22 horas e nada. Silêncio absoluto.
Os guardas estavam perplexos. Era domingo, sim, mas Stalin não conhecia dias nem horários. Trabalhava intensamente a qualquer dia e hora. Era hiperativo, não conhecia repouso, e domingos e feriados para ele não existiam.
Os guardas e funcionários da casa jamais tinham visto um comportamento desse por parte dele. O medo começou a tomar conta de todos que estavam ali.
O segundo principal assessor de Stalin pediu ao primeiro assessor principal que fizesse algo. Que batesse na porta do quarto. Que entrasse. Afinal, ele era o assessor principal.
Argumentou que já eram 22h30. Não podiam ficar ali, fazendo de conta que Stalin estava desde as 4 da manhã simplesmente dormindo.
Todos, porém, estavam com tanto medo e tinham tanto medo de Stalin que nada fizeram.
A devoção e temor ao líder russo era tanta, que naquela hora fatídica o comportamento deles se transformava em completa ineficiência.
Os dois assessores discutiam em voz baixa. “Vai lá, você é o primeiro assessor”. Mas nada de agir.
Um medo absurdo tomava conta de todos. Se poderia sentir o aroma do medo na casa, tanto ao lado de fora do quarto quanto nas salas, cozinha, escritório e demais dependências.
Todos olhavam para a porta do quarto, na esperança de ver o líder a qualquer momento chamar lá de dentro ou sair pela porta sempre com seu passo firme e exalando um Poder que tinha no andar, no olhar e no falar.
Porém, eram quase 23 horas e Stalin não dava sinal de que levantaria, ou que chamaria alguém ou que sairia pela porta do quarto.
Só às 23 horas é que o principal assessor, pressionado pelos demais funcionários e guardas, resolveu finalmente se encorajar e ir até Stalin.
Pegou a correspondência que estava ali desde as 9 da manhã. Ensaiou um passo firme, pois Stalin detestava que entrassem pé-que-te-pé no quarto ou escritório dele. Entrou com passos decididos e não aparentando subserviência nem ansiedade, pois Stalin odiava pessoas que agiam assim. E foi entrando nos aposentos do líder.
Atravessou três salas escuras, que haviam no aposento, e dirigiu-se para uma pequena sala- refeitório, onde estava a luz. Ao entrar, o que ele viu quase lhe parou o coração.
Stalin, o Grande líder, temido por tudo e por todos, estava no chão, perto da mesa, quase deitado, e desesperadamente se segurava nos cotovelos.
Não havia perdido a consciência, mas já não conseguia mais falar.
O assessor, aterrorizado, numa atitude completamente absurda, a única coisa que conseguiu foi perguntar:
– O que aconteceu, camarada Stalin?
Stalin respondeu com um balbucio, uma espécie de grunhido, apenas.
O assessor chamou o outro assessor e mais a empregada.
Sem tocar em Stalin, ambos fizeram outra pergunta ridícula:
– Camarada Stalin, quer se instalar no sofá?
Com um débil sinal de cabeça o líder respondeu que sim. Colocaram ele no sofá e só então se deram conta de que deveriam chamar um médico.
Chamar um médico, porém, precisava antes passar pelos canais burocráticos.
O assessor de Stalin ligou para o primeiro burocrata, falando da situação desesperadora.
Disse que precisava que Beria, o segundo homem após Stalin no governo, mandasse um médico com urgência.
Esse burocrata que recebeu a chamada começou a procurar por Beria.
Stalin seguia deitado no sofá.
Só meia hora depois o homem ligou de volta para o assessor, e disse que não havia encontrado o senhor Beria. Portanto, o assessor que se encarregasse de encontrá-lo ele mesmo.
Passaram-se mais outros 40 minutos e nada de alguém achar o camarada Beria. E Stalin lá, sem atendimento.
Beria estava inacessível, até que por fim, ele mesmo ligou e ordenou que não falassem nem ligassem para mais alguém. Ele, Beria, resolveria.
O assessor tentou argumentar que a situação exigia um médico. Mas não foi ouvido.
Só às 3 da manhã escutaram o ruído de um carro chegando na casa. Pensaram que era o médico. Mas não. Era o camarada Beria.
Ele chegou, entrou, não se aproximou de Stalin e olhando de longe o líder soviético apenas disse:
– O camarada Stalin está bem.
Beria concluiu “com segurança” para os assessores e empregados ali presentes, que Stalin “estava perfeitamente bem”.
Mandou que não o tocassem nem perturbassem, pois Stalin estava apenas dormindo.
O assessor tentou argumentar, mas Beria, cheio de ódio, chamou ele de imbecil. Perguntou quem o havia nomeado para assessorar Stalin. Disse que “depois” cuidaria dele. E saiu batendo os sapatos.
O assessor percebeu que se tentasse salvar Stalin, ele é que estaria morto, pois Beria era importante e perigoso no circuito da União Soviética.
Passou uma hora, duas, três ... só às 7h30 da manhã é que chegou Kruchtchev, para avisar que o médico “logo viria”.
Apenas às 9 da manhã chegou uma equipe de 10 médicos do Kremlin, para atender Stalin.
Numa salinha de atendimento improvisada, cortaram a camisa de Stalin com uma tesoura e lhe auscultaram o coração.
O diagnóstico posterior foi hemorragia cerebral. Stalin tivera um “derrame”.
Haviam se passado muitas horas e a perspectiva de recuperação era escassa.
O tratamento foi na hora. Com sanguessugas. Com injeções de cânfora. Com balões de oxigênio para respirar.
Fizeram eletrocardiograma e raio X dos pulmões. Mereceria uma cirurgia? Era tarde demais.
Assim como todos os demais ao redor naquela casa, os médicos igualmente estavam aterrorizados.
Beria, tentando colocar mais medo, perguntava o tempo todo:
– Os senhores têm certeza de que podem garantir a vida do camarada Stalin?
O medo era o único elemento livre naquela casa.
Stalin viria a morrer no dia 5 de março. Beria e o grupo que o cercava e que, obviamente, premeditaram sua morte, fecharam a casa e proibiram o acesso à ela. Prenderam o filho de Stalin. E, “para o mundo”, deram a notícia falsa de que Stalin havia morrido “em seu quarto, no Kremlin”.
Stalin morreu como viveu: cercado de inimigos e cercado pelo medo.