Discos de vinil: a música através da atemporalidade

20/06/2025
Rafael Barros e seu disco dos Beatles

Rafael Barros e seu disco dos Beatles

Em um mundo dominado pelo streaming, o vinil vive um renascimento surpreendente, unindo gerações em torno da materialidade da música. Girando ao contrário das tendências digitais, o vinil volta à cena com força, reunindo de jovens curiosos a colecionadores apaixonados. O long-play – disco de longa duração e chamado carinhosamente LP – transcende o suporte sonoro: é ritual, memória afetiva e resistência cultural.

O Jornal Dois Irmãos conversou com algumas pessoas de diferentes idades e, embora tenham experiências e motivações distintas, a paixão pelo disco é a mesma.

Melina Rabuske Welter, 16 anos, incorpora o fascínio da nova geração pela mídia analógica. Seu ponto de virada foi em 2023, quando adquiriu o álbum Tinderbox, sétimo da carreira da banda inglesa Siouxsie and the Banshees, para testar sua vitrola. “Eu me tornei uma amante de vinis, não só por amar música, mas também pelo desejo de ter as versões físicas de meus álbuns preferidos”, destaca.

Seu acervo saltou para 40 discos ao herdar a coleção dos seus pais, Anelise Rabuske e José Lopes, relíquias que carregam consigo histórias afetivas. Sua principal reclamação é em relação aos valores. “Os preços atuais são extremamente altos, e a qualidade dos discos novos não tem comparação aos discos da época”, comenta.

Para Melina, a melhor parte é poder chegar a um momento de descanso e ouvir algo que tem um ‘toque humano’ e que a transporta para um mundo lúdico. “O vinil é como uma parte de mim”, descreve. Melina conta que o seu sonho de consumo musical atualmente é o um box com os discos de Mellon Collie and the Infinite Sadness, do Smashing Pumpkins. “Mas está completamente fora de cogitação, custando mais de 900 reais no Brasil”, lamenta.

Já Ana Clara Grub, 20 anos, redescobriu nos vinis uma ponte afetiva com sua infância. Herdou uma coletânea das melhores músicas da dupla alemã Modern Talking, que fez muito sucesso nos anos 80. Formada por Thomas Anders e Dieter Bohlen, o grupo ficou na ativa até 2003, quando somou mais de 120 milhões de discos vendidos. Sua composição mais ouvida no Spotify é ‘Cheri Cheri Lady’, que tem mais de 554 milhões de audições.

“Comecei a comprar mesmo em 2023, por que estava com saudade daqueles domingos de quando eu era criança, com música alta e analógica”, destaca. “No vinil, a música se torna física, você vê a agulha e o disco agindo juntos pra gerar essa melodia. Essa experiência viva acaba por ajudar no controle da minha ansiedade”, diz ela, destacando o chiado das vitrolas como um charme.

Sua coleção de 10 discos nasceu durante os passeios às feiras de antiguidades e antiquários. “Evito compras online. A magia está no acaso: encontrar um álbum raro em uma pilha empoeirada”, conta Ana Clara com nostalgia.

 

Experiência sensorial

O professor de inglês Anton Roos, 45 anos, coleciona discos de vinil desde os anos 90, tendo lembranças especiais com In Utero do Nirvana, Chaos A.D do Sepultura, Killers do Iron Maiden e Pump do Aerosmith. Hoje, conta com cerca de 45 LPs, sendo os seus especiais da banda canadense de rock progressivo Rush. “Quando descobri a música, as alternativas eram fita cassete ou LP; o CD era caro e ainda pouco acessível. Então, ter vinil era normal”, comenta ele sobre como essa paixão surgiu.

Anton conta com tristeza que, quando veio morar em Dois Irmãos, acabou se desfazendo de alguns de seus discos durante a mudança. “Vinil é experiência sensorial total. Observar capas como as detalhadas obras do Iron Maiden é uma cerimônia visual”, contempla. Para ele, a diferença técnica é inegável. “Hoje, penso na qualidade da audição. O vinil proporciona isso: ouça ‘Since I’ve Been Loving You’ do Led Zeppelin no digital e depois no analógico, a profundidade dos graves é abismal”, afirma. Mesmo apaixonado pelos LPs, Anton enfatiza os altos preços. “Virou artigo de luxo. Um toca-discos decente está com preços acima do razoável”, contabiliza.

Rafael Barros, 47 anos, vive a dualidade entre criador e colecionador. Trabalhando há cinco anos como designer gráfico para uma empresa dinamarquesa do setor musical, ele lembra que foi o contato físico com os discos que o reconectou ao vinil. “Sempre tive vontade de ter meu próprio toca-discos, desde criança. Quando era pequeno, ouvia vinis em aparelhos de familiares, mas nunca tive um disco meu, muito menos um equipamento para ouvir”, recorda.

Hoje, Rafael tem a oportunidade de ouvir seus discos e apreciar as capas nas quais ele mesmo trabalha. “Receber meus projetos impressos foi um choque sensorial. Percebi que precisava reviver minha relação tátil com a música”, conta. Ao iniciar sua recente coleção, ele atribuiu um certo critério. “Tenho 3 discos que são muito importantes pra mim: Nevermind e Bleach, do Nirvana, e Dirt, do Alice in Chains. Quando tinha 14 anos, me dei de presente esses três, junto com o Incesticide (também do Nirvana), tudo em fita cassete. Foram meus primeiros discos de rock – tiveram um impacto gigante na minha vida e, por causa deles, virei guitarrista”, comenta.

 

Vinil fabricado artesanalmente

Leandro Seibel transformou a curiosidade em ofício. Após o fim de sua banda, Folk n’ Box, aqui de Dois Irmãos, ele importou do Japão um micro torno para gravação artesanal de discos de vinil. “Sempre me intrigou a alquimia que transforma ondas sonoras em sulcos físicos”, destaca. Os desafios são técnicos e artesanais, ou seja, volume excessivo distorce o som e riscos muito próximos se sobrepõem. “Temos que calcular tudo conforme o estilo musical”, explica.

Especializado em lo-fi – gênero caracterizado por produção caseira e qualidade de áudio inferior às gravações de estúdio –, Leandro salienta que sua demanda é bastante variada e gravadoras não estão em seu radar. Ele explica que parte deste desenvolvimento é um processo artesanal e que dura o tempo da música, o que significa que um álbum que tem 30 minutos de duração fará com que a gravação tenha o mesmo tempo”, ressalta. Esta parte é essencial da gravação e quanto mais tempo de produção, mais perigoso. “Neste caso, é maior a chance de haver uma falha e acabar gerando a perda do disco”, explica.

Ele fabrica suas próprias agulhas, que são de metal e inox para a produção dos discos. “Gostaria de ter uma agulha de diamante, mas isso está fora de cogitação no momento, pois custa mais de 3 mil reais, e essas agulhas são extremamente frágeis”, diz o artesão.

O vinil é uma das formas materiais de conectar gerações através da música. Para alguns, são apenas discos, para outros, guardam memórias, resgatam afetos e acalmam a alma. Há quem tenha começado a colecionar por diversão na juventude, quem tenha feito deles um ofício, e quem os use como portal para reviver momentos distantes.


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