Uma visão sobre a pandemia de quem vive na Austrália

28/03/2020
Aline Ellwanger

Aline Ellwanger

A dois-irmonense Aline Ellwanger, 34 anos, vive na Austrália desde julho de 2017. Com formação em Relações Públicas, ela decidiu mudar com o objetivo de se aprimorar na língua inglesa. “Este foi o motivo número um. Mas, além dele, queria muito ter uma experiência de vida fora do meu país”, comenta. Na entrevista a seguir, Aline relata como a Austrália tem encarado a pandemia do novo coronavírus (Covid-19):


Como está a situação do coronavírus no país?  
Aline
– Olha, infelizmente o número de pessoas infectadas tem aumentado consideravelmente, principalmente desde a última semana. A maioria das pessoas infectadas está no estado de New South Wales, onde fica Sydney, cidade na qual resido desde que cheguei na Austrália. Acredito que muito em função de australianos e alguns imigrantes não estarem levando a sério. O pessoal aqui começou a ficar por dentro da gravidade do problema apenas no começo desta semana, quando o primeiro ministro australiano, Scott Morrison, anunciou que supermercados, farmácias, postos de gasolina, lojas de conveniência, escolas e outros serviços de utilidade pública eram os únicos estabelecimentos que deveriam permanecer abertos.  No entanto, cafés e alguns restaurantes seguem oferecendo seus serviços, mas agora com horário reduzido e apenas no modo Take Away, ou seja, as pessoas não podem sentar para comer. (Essa informação é referente ao estado de NSW, onde moro, pois aqui na Austrália cada estado tem suas leis.) Até o final de semana passado, vi muitas fotos da galera na beira da praia, em parques, bares e em festas. Tudo lotado. Nos últimos três dias que reparei uma diminuição no volume de pessoas circulando, mas ainda não sinto que seja uma quarentena como já está acontecendo no Brasil. 
Parece que os moradores daqui estão menos empáticos com a situação do mundo. Talvez por que ainda não fomos proibidos oficialmente de sair. Da sacada do meu apartamento vejo ainda muitos idosos caminhando na rua, algumas pessoas com máscaras e crianças, já que as escolas seguem funcionando por enquanto. Nos supermercados, o papel higiênico é um item raríssimo, e isso já faz umas três ou quatro semanas. Só consegue comprar algum pacote (com sorte) quem chega nos primeiros minutos do dia. Arroz, massa, carnes e ovos também são itens que estão faltando. Álcool gel nunca mais vi em nenhum lugar. Sorte que ganhei um. Desde o dia 16 de março o governo australiano bloqueou a entrada de pessoas que não sejam cidadãs ou residentes permanentes e familiares próximos. Tenho amigos e conhecidos que foram para o Brasil passar férias e agora não tem previsão de voltar, pois não podem mais entrar na Austrália, mesmo com o visto vigente. Além disso, o governo agora proibiu os próprios australianos de viajar para fora do país. É permitido apenas em casos de emergência ou a trabalho. Diariamente eles divulgam os números através de um site criado para tratar do tema. Até ontem (27 de março), foram diagnosticados 3.378 pessoas com o coronavírus – dessas, mais de 1.200 residem em NSW.  Ao todo, a Austrália já registrou 13 mortes em todo país. 


Está em isolamento? Desde quando? 
Aline
– Em isolamento total estou desde a última segunda-feira, dia 23 de março. Mas já faz mais de uma semana que tenho evitado sair de casa. No momento só vou ao mercado e volto. Estou tentando fazer a minha parte. 


Como tem sido a rotina durante este período? 
Aline
– Apesar de ser uma pessoa bem agitada, tenho até segurado bem as pontas, sabe?! Talvez porque só se passaram cinco dias de isolamento total (risos). Nos dias de sol é mais complicado, ainda mais pra quem mora em apartamento. Mas não adianta, a gente tem que se ocupar pra não pirar. Particularmente tenho aproveitado pra botar meu sono em dia e estou aproveitando como nunca a conta da minha cunhada no Netflix. Estou tentando não parar com a rotina de exercícios também. Vejo algumas coisas no YouTube, estou correndo no estacionamento do prédio, aproveitando pra testar algumas receitas na cozinha, lendo um pouco, aproveitando que foram disponibilizados vários títulos on-line nessa quarentena. E pra distrair e divertir um pouco, entro no instagram. Tem uns memes muito bons. Porque se for só acompanhar as notícias, fica pesado. 


Como o pessoal daí, os nativos, encaram o momento? 
Aline
– Não vejo muito preocupação da parte deles. Até estava comentando isso com uma amiga que mora aqui mas é da Espanha, onde a situação também está bem triste. Chegamos à conclusão que a maioria ainda não entendeu o caos e a gravidade disso, ou então realmente não estão sendo muito empáticos com tudo que tá acontecendo. Nos últimos três ou quatros dias as ruas estão mais vazias, até porque as notícias estão aí e os telejornais falam disso o tempo todo. Mas vejo ainda muita gente circulando, indo surfar, correr. As escolas ainda estão abertas, os shoppings também. Pode ser que isso mude a qualquer momento. Mas por enquanto ainda não fomos proibidos de sair, a quarentena tem sido feita de acordo com a consciência de cada um. 


Qual sua opinião sobre a pandemia? 
Aline
– Nunca vivi nada parecido e tem sido bem doido. Pessoas disputando produtos no mercado, outras reclamando de ficar em casa fazendo home office, sendo que tantas vezes foi só o que a pessoa queria; outros que não tem essa opção, e o pior, aqueles que não tem mais trabalho e nem a opção de um lar confortável com comida pra simplesmente ficar em casa fazendo nada. Complicado. Pra mim também não está sendo muito legal. Tu quer sair, quer ver as pessoas, quer tua vida normal. Mas tenho certeza que vamos sair dessa e muito mais fortes. Os estudiosos que dizem que as crises sempre vêm para transformar. Não que isso seja algo fácil. Mudar nunca é fácil. Sofremos, perdemos, mas também podemos ganhar. Seja como pessoa, evoluindo o lado espiritual, senso de coletivo, realmente aprendendo a dar valor pro que merece e precisa. Já que talvez só o dinheiro não vai salvar neste momento. Temo pela economia, mas o mundo já viveu crises anteriores e se recuperou. Acho que a grande mudança agora deva ser em nós mesmos, como seres humanos. Que a gente aprenda mais sobre si nestes dias que estamos tendo tanto a nossa companhia, mas que também aproveitemos o tempo pra olhar para o lado, pro outro, ver se temos como auxiliar nesse momento tão difícil pro mundo. Não acho que teremos dias fáceis nos próximos meses. Mas acredito que se cada um fizer sua parte, ficando em casa, lavando as mãos, passando álcool gel e evitando o contato, coisa tão difícil pra nós brasileiros, mas que agora se faz necessário, vamos sair dessa mais rápido. Assim espero! 


Quais as notícias que chegam aí do Brasil?  
Aline
– A mídia australiana não fala sobre a situação da pandemia no Brasil. Então acompanho muito pela internet, sites de notícias, rede social, conversando com amigos. A mídia aqui mostra mais a situação na Europa e na própria Austrália. O primeiro ministro tem feito pronunciamentos mais de uma vez na semana alertando sobre novas restrições e/ou falando sobre a situação do país em relação à pandemia e economia, a fim de diminuir os efeitos da gigante crise provocada pelo coronavírus. O governo australiano inclusive já liberou para os cidadãos desempregados pela situação a retirada de uma porcentagem do “superannuation”, que é um tipo de poupança a longo prazo concebido para ajudar as pessoas australianas na aposentadoria. Além disso, já se fala sobre um possível acordo do governo com as imobiliárias, a fim de evitar um colapso, pois muitas pessoas aqui vivem de aluguel e não terão como pagar as contas que aqui são semanais ou quinzenais – inclusive nós, estudantes e imigrantes.


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