Fernanda Berlitz
A arquiteta e urbanista Fernanda Berlitz, 30 anos, está morando em Leeds, na Inglaterra, desde a metade de dezembro. Ela viajou para estudar inglês e se preparar para o mestrado. Na entrevista a seguir, a dois-irmonense conta como o Reino Unido está vivendo a pandemia do novo coronavírus (Covid-19):
Como está a situação do coronavírus no país?
Fernanda – Mal. O governo está tomando medidas de contenção de forma atrasada. Semanas atrás, enquanto a Itália estava perdendo o controle da situação, outros países da Europa começaram a tomar medidas baseados no andamento da situação italiana. Boris Johnson (primeiro-ministro britânico) demorou muito para fazer um primeiro anúncio em relação ao Covid-19 e, quando o fez, anunciou que a ideia era deixar a população se contaminar, para criar imunidade coletiva – isso foi há duas semanas. Poucos dias depois, o discurso mudou um pouco. Anunciaram que era necessário evitar aglomerações com mais de 100 pessoas. Desta forma, universidades trocaram aulas presenciais para online. Semana passada ele pediu para quem pudesse, que trabalhasse de casa; evitar encontros sociais, pubs, restaurantes. Essa semana o anúncio foi de que era permitido sair de casa unicamente para: compras necessárias e evitar sair muitas vezes para isso, uma vez ao dia praticar alguma atividade física, desde que em local aberto (parques), sozinho ou com pessoas que moram na mesma casa que você, ir/voltar para o trabalho (quem não consegue trabalhar de casa e evitando transporte público). Neste último apelo ele frisou bastante que todos deveriam ficar em casa na forma de preservar a capacidade de atendimento do sistema de saúde aqui. Mas ainda não é um confinamento total como estamos vendo na Espanha, Itália e Alemanha. E agora saiu a notícia que o Boris testou positivo para o Covid-19.
Está em isolamento? Desde quando?
Fernanda – Estamos em isolamento desde o dia 16 de março, porque decidimos não esperar pela determinação do governo. Muitos dos nossos amigos fizeram o mesmo. (Fernanda refere-se a ela e ao namorado, Rodrigo).
Como tem sido a rotina durante este período?
Fernanda – Decidimos tentar manter uma rotina parecida com a que tínhamos antes. Acordamos e vamos dormir nos mesmos horários. Alimentação está basicamente seguindo a mesma rotina de horários. Sempre tivemos o costume de preparar nossa comida, então não mudou muito. O dia parece mais longo e mais lento. Nos primeiros dias tive que me adaptar com o fato de trabalhar/estudar tendo uma cama ou sofá do lado da mesa de trabalho. É tentador e não é fácil. Acredito que ainda não me adaptei totalmente a isto. Consegui iniciar uma rotina de prática de yoga uma vez ao dia, consegui ler mais. Tento me ocupar de uma forma que me mantenha ativa durante o dia para não entrar em um modo mórbido. Também para tentar preservar uma boa qualidade de sono. Difícil não ter contato em ‘carne e osso’ com outras pessoas, mas ao mesmo tempo é interessante perceber que esse momento permite que observe mais eu mesma, minha casa, meus hobbys...
Como o pessoal daí, os nativos, encaram o momento?
Fernanda – Na verdade tenho pouco contato direto com nativos. Ainda mais agora que estamos todos em isolamento. Mas percebo que as medidas estão cada vez mais restritivas, pois, no início, o que era proposto não estava sendo seguido, talvez pela falta de entendimento da gravidade da situação. Com o número de casos e mortes aumentando, se entendeu o que precisa ser feito para tentar “achatar” a curva (fazendo referência àquele gráfico que todo mundo já viu, fazendo a análise entre número de infectados, tempo desde o primeiro caso e capacidade do sistema de saúde).
Qual sua opinião sobre a pandemia?
Fernanda – É uma doença que pode parecer simples, mas não é e precisa ser levada a sério! Quanto antes isso acontecer, melhor será. Tem pessoas que são mais vulneráveis? Tem. Eu estou no grupo de risco? Não. Posso simplesmente relaxar e achar que está tudo bem? NÃO! Por exemplo, tem estudos mostrando que você pode ter contraído o vírus, mas não apresentar nenhum sintoma; fico pensando em como eu me sentiria se eu soubesse que fui eu quem passou o vírus para as minhas avós... É simplesmente uma questão de responsabilidade social, com o próximo! Para além de uma doença, acho que é um momento de reflexão. Está colocando em análise todos os setores da nossa vida: posicionamentos e escolhas que fazemos em relação a nós, nossa saúde, nosso trabalho, nossas relações com familiares e amigos. E para fora do pensamento do “eu” e “meu”, uma outra visão em relação ao nosso posicionamento dentro de uma sociedade, que deveria ser justa e igualitária. Acredito que depois deste período, muitas coisas que antes eram vistas como ‘normais’ ou ‘aceitáveis’, já não mais o serão.
Quais as notícias que chegam aí do Brasil?
Fernanda – Estou tentando acompanhar as notícias que envolvem o mundo, de forma geral. Também para conseguir entender como as medidas para o Covid-19 foram tomadas, quais surtiram efeito ou não etc. Além disso, tento me ater a notícias que tenham comprovação científica ou embasamento em dados reais e atuais para evitar que notícias falsas sejam recebidas. Em relação ao Brasil, acompanho notícias que são produzidas dentro e fora do país. O que chega até aqui e é reproduzido, são notícias envolvendo o posicionamento do presidente em relação à desvalorização da seriedade que é o coronavírus e o seu pedido de retorno à normalidade; os protestos realizados pelos brasileiros diante a situação; as ações que são tomadas pelos governos estaduais e que as mesmas estão sendo desencorajadas pelo presidente. Em uma visão externa em relação ao nosso país, dizem que o governo brasileiro está despreparado porque o presidente não toma as atitudes recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o que faz o país perder a credibilidade.