pitter@jornaldoisirmaos.com.br
Números assustam.
Não sei se dizem toda verdade, mas servem de alerta.
*
Divulgada no mês passado, a Pesquisa Vigitel 2021, do Ministério da Saúde, apontou que em média 11,3% dos brasileiros relatam um diagnóstico médico de depressão. É um número bem acima da média apontada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para o país, 5,3%. O Vigitel é um levantamento anual sobre saúde nas capitais. E é a primeira vez que traz números da depressão.
O levantamento mostrou que há mais pessoas com depressão do que com diabetes (9,1%). O trabalho revelou que a frequência de adultos com diagnóstico médico de depressão variou bastante entre as capitais: de 7,2% em Belém a 17,5% em Porto Alegre. A doença afeta mais mulheres (14,7%) do que homens (7,3%) e aparece com porcentuais semelhantes em todas as faixas etárias.
– Já tínhamos um indicativo de que o problema estava aumentando e, por isso, decidimos incluir a depressão no Vigitel, que é feito com maior periodicidade – explicou o professor Rafael Moreira Claro, da Universidade Federal de Minas (UFMG), coordenador do trabalho, em matéria do Estadão. – A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 registrou que 10% da população tinha um diagnóstico médico de depressão, ante 7,6% na pesquisa anterior, de 2013; aumento de 5 milhões de pessoas – acrescentou.
O aumento expressivo de diagnósticos vai muito na conta da pandemia, segundo os pesquisadores, e ainda assim pode estar subnotificado.
– As exigências dos tempos em que vivemos já são muito grandes, e agora estão somadas a um contexto de pandemia, de uma ameaça invisível, de risco de vida para você e os seus amados. Muita gente não deu conta mesmo – constatou Teresa Cristina Kurimoto, da Escola de Enfermagem da UFMG, uma das responsáveis pelo Vigitel. – Alguns estudos mostram que em grupos específicos, sobretudo de profissionais da linha de frente, o aumento foi muito maior, chegando a 40% – completou ela.
*
Não bastasse a doença, tem o preconceito.
Tudo é frescura quando a gente não está na pele do outro. Tudo é fácil quando a gente pode apenas dizer o que faria, sem precisar agir de fato.
A régua alheia tem outro peso, outras medidas, ainda assim insistimos em medir o próximo com a nossa. Gostamos de vidas emprestadas, imaginadas e não vividas, mas dificilmente emprestamos um pouco de misericórdia, de condescendência.
Números assustam.
Mais do que atenção a eles, é preciso olhar para quem faz parte da estatística.
*
INSTANTE NA ESTANTE
Certa manhã, El Mocho César, chefe da frente que me capturara, apareceu. Embora nada pudéssemos ver do que acontecia, o vaivém nervoso da tropa, assim como as vestimentas impecáveis, os uniformes de gala, eram sinais evidentes da presença de um chefe.
Eu estava sentada de pernas cruzadas sob o mosquiteiro, os pés descalços com a grande corrente presa no tornozelo. Iniciava um novo trabalho manual. Tinha consciência de que minha relação com a duração das coisas andava totalmente perturbada. “Na vida civil”, para usar a terminologia farquiana, os dias se passavam com uma rapidez alucinante e os anos iam correndo devagar, o que me dava uma sensação de ter vivido uma vida bem plena.
No cativeiro, minha consciência de tempo se invertera por completo. Os dias pareciam não ter fim, prolongados cruelmente com o desespero e o tédio. Em compensação, as semanas, os meses e, mais tarde, os anos pareciam se empilhar a toda velocidade. Minha consciência desse tempo irremediavelmente perdido despertava o terror de me sentir enterrada viva.
Quando César chegou, eu estava fugindo dos demônios que me perseguiam, com o espírito concentrado em enfiar uma linha na agulha.
Não há silêncio que não termine – Ingrid Betancourt (1961)
Meus anos de cativeiro na selva colombiana