Editor Alan Caldas (De Pamukkale - Turquia)
De longe, a dezenas de quilômetros, a brancura reluzente que você vê numa montanha lá bem distante dá a impressão de que é gelo eterno. Quando se aproxima e fica ao pé da montanha, os olhos invariavelmente se arregalam. Não é neve. É travertino! É uma rocha calcária...
A voz se cala. Se faz silêncio. Nem vento sopra. A baba cai. E você fica ali, parado e quietão, só olhando, e incrédulo meio que duvida do que vê. Olha o colosso branco à sua frente. Uma montanha imensa e branquinha, branquinha, branquinha. Alva. Luminosa. Soft como se desse para tirar pequenos pedaços e comer.
O que é isso?
É Pamukkale, em turco. Em português é Palácio de Algodão. E a imagem como que “bocaberteia” quem a vê. Fiquei pasmo. Tomado de alegria você acorda desse banho de endorfina que a visão da montanha proporciona e diz: “vou lá!”
Paga ingresso e tira os sapatos, pois só se sobe descalço, que é para não estragar os travertinos. E começa a subir. Morro acima encontra uma piscina branquinha de água quentíssima. Logo outra. E mais outra. E vai subindo. O lugar é hipnótico. Sagrado, diziam no passado. E é sobretudo acachapante. A montanha faz perceber nossa insignificância diante da natureza. Acontece um misterioso silêncio mental na subida. Você não sabe o que dizer dela. A verdade ali é sem palavras. É só observação.
E não é só você. Centenas pipocam por ali silenciosos e igualmente boquiabertos. Essa montanha nos despe dos ilusórios e falsos sentimentos de grandeza. A brancura dos travertinos em que se pisa e a água límpida e quente nos “humildifica”, torna humilde quem a sobe. É incrível. Ali quem é de riso, sorri. Quem é de tristeza, chora. E todos se sentem silenciosos diante dessa grandeza incompreensível ao olhar humano.
Por um instante lá em cima me vejo só. Tudo parece estar parado. E me pergunto o que pensaram os que chegaram aqui três mil anos atrás. Nada sabiam de reações físico-químicas. O mundo de então era mágico. O que as pessoas viam? O que elas enxergavam?
Durante a subida quase em linha reta de 300 metros de brancura morro acima, você se vira e olha o Vale. É imenso. E, todo plantado, ele galanteia e corteja este Castelo de Algodão, mostrando sua poderosa fertilidade agrícola de onde sai o alimento que sacia a fome. Você volta a sentir os pés nos travertinos brancos e quentes. São ora lisos ora rugosos, mas sempre encantadores. Na subida, se entra e sai de piscinas. Dezenas delas. E todas brancas, brancas, brancas.
A água quentinha nos joga de volta à infância. Aos braços fortes do pai. Ao colo carinhoso da mãe. Ao mundo seguro e mágico que sobrevive em silêncio lá no fundo da nossa adultice.
Mas e essa água vem de onde, você se pergunta. Ela vem de 300 metros abaixo da terra. Sobe das profundezas vulcânicas como um caldo de minerais com muito carbonato e cálcio. Delicada e sedosa, ela sobe para a terra e cria uma mistura borbulhante de água quente e cor turquesa.
O que formou as piscinas de Pamukkale foi o calcário branco dessa água. A brancura travertina é a solidificação da calcite que existe nas fontes termais lá no subsolo e que, ao subir, “branqueou” a montanha num processo físico-químico que levou milhares e milhares de anos. A água correu sem parar do alto da montanha para baixo e a natureza foi provocando ligações em todos os elementos contidos nela e na montanha. No tempo. No frio. No vento. No calor. No seco. Na chuva. Nessa sucessão foi ocorrendo a ligação invisível nas cadeias químicas de cada um dos minerais presentes na água e na terra. E tudo isso acabou solidificando eles. No processo eles endureceram e branquearam. E surgiam, então, os branquíssimos travertinos.
Século após século foram surgindo estalactites. E nasceram aqui e ali essas piscinas que hoje brindam o olhar humano com esta paisagem ÚNICA em todo o planeta terra. Você olha isso e percebe que está ali, olhando aquilo. Está pisando o travertino com seus pés descalços. Está sentindo a água quente que vem hora em fio hora em jorro pela corredeira que desce lá do alto, da fonte termal mãe. Vem da caverna que os sacerdotes chamaram, milhares de anos atrás, de Caverna de Ploutonium.
É ali a fonte-mãe de onde vem toda a água quente de Pamukkale. Nessa caverna era imensa a concentração de dióxido de carbono, que matava tudo e todos que ali entrassem. Por isso era chamada pelos sacerdotes de a “Porta para o mundo dos mortos”. Entrou, morreu. Os sacerdotes não morriam. Expertos, eles prendiam a respiração, e entravam e saiam vivos. E por esse fato os fiéis os acreditavam imortais e com poderes divinos.
O vento, o sol, a água quente, a paisagem, o toque dos pés no travertino quente, o burburinho de pessoas, os risos lindos e feliz das crianças, as pessoas que chegam e vão num sobe e desce constante, as roupas turcas, os casais, os jovens, as noivas que vieram com seus vestidos brancos contrapontear Pamukkale e fazer aqui românticas e lindas juras de amor eterno no alto deste Castelo de Algodão... Tudo isso se soma a você.
Você que, por acaso, por Karma ou por sorte veio de longe e acabou estando aqui. É um sonho, não é? Me belisca, vai. Me belisca. Ou melhor: não me belisca. Não quero acordar desse sonho. Que sonho!!!