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Nem com os inimigos somos tão cruéis quanto costumamos ser nas nossas relações mais íntimas. O belo Malcolm & Marie (Netflix) mostra a proximidade dramática entre amor e ódio, como detalhes esquecidos, relegados podem provocar fissuras terríveis, irremediáveis. As palavras e suas entonações são capazes de crimes hediondos: cortam, perfuram, atravessam o peito dilacerado, deixando as emoções em carne viva.
Quem nunca se perdeu pelo caminho?
Quem nunca atirou para matar em uma discussão?
O bem está em todos, assim como o mal. Sabemos, em tese, o que diferencia um e outro, as circunstâncias que nos levam a dar vazão aos nossos tormentos. No entanto, não existe vacina contra o imponderável, contra as armadilhas do sentimento. A passionalidade faz de nós um emaranhado de inconsequências e precipitações e transforma nosso medo em covardia, nosso desejo de benquerer em sede de vingança. O limite da dúvida vai para o espaço!
(E, se o inferno são os outros, às vezes nos cai bem o papel de diabo...)
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Pessoas que amamos não fazem ideia do bem que nos fazem. Um pouco é culpa nossa, da nossa falta de jeito para dizer o que nem precisa ser dito. Pois o amor se basta, dispensa palavras, prefere o sussurro das entrelinhas, a respiração entrecortada das interjeições. E não há ponto de exclamação capaz de precisar o que se esconde nas reticências...
Imaginar o amor? Impossível. O amor imaginado é só um pedaço da parte que muitos veem como o todo. E de todo errado não estão, pois a ilusão do amor é o que acaba nos salvando no fim. (O tema rende no mínimo um Evangelho!)
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Sábio era o mestre João Gilberto...
Doralice, eu bem que lhe disse
Amar é tolice, é bobagem, ilusão
Eu prefiro viver tão sozinho
Ao som do lamento do meu violão
Doralice, eu bem que lhe disse
Olha essa embrulhada em que vou me meter
Agora amor, Doralice, meu bem
Como é que nós vamos fazer?
Trocando Doralice por outro nome qualquer, perde-se apenas a rima. (E o lamento não precisa, necessariamente, ser do violão.) A embrulhada é a mesma para todos: cedo ou tarde, a dúvida do arrependimento há de nos assolar. Especulamos, mas nunca saberemos como seria se nosso sentimento tivesse tomado outro rumo. Pode não parecer, mas, se chegamos até aqui, é porque queríamos de alguma forma.
Amar é uma tolice necessária, uma bobagem democrática a que todos têm direito. O cometimento do amor sem comedimento faz parte da grade curricular da vida, deveria estar nos bancos escolares como um conteúdo minimamente preventivo. Alertam-nos desde pequenos dos vícios da droga e do álcool, mas deixam-nos à deriva nos assuntos do coração, mesmo sabendo que a dependência do outro pode ser tão insidiosa quanto.
(Resta a pergunta: fazem isso deliberadamente, de caso pensado?)
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INSTANTE NA ESTANTE
A polícia se esforçou para convencer Doderer de que ele deveria contribuir para a investigação, porque os sequestradores o haviam feito assinar uma declaração de que iria permanecer em silêncio. “Se quebrar sua palavra de honra, vamos dar cabo de toda a sua família (inclusive seu genro)”, eles o alertaram, e Doderer estava com medo. Heineken, que também havia assinado a declaração, a considerou inútil.
Baas e Neve, que passaram dois dias em De Ark para gravar a declaração de catorze páginas do fabricante de cerveja, ficaram mais uma vez impressionados com sua energia. Apenas algumas horas após o resgate, ele interrompeu a entrevista para resolver negócios nas cervejarias e atender alegremente a chamadas telefônicas da família real. À tarde, só parava brevemente para uma refeição leve servida numa bandeja, que compartilhava com os detetives na frente da televisão.
Frank Lowe foi outro amigo que ligou. “Estou livre, mas foi muito ruim. Eles me torturaram”, disse Freddy Heineken. “Que horror. O que fizeram, Freddy?”, perguntou Lowe, ansiosamente. “Me obrigaram a beber Carlsberg”, foi a resposta.
A história da Heineken – Barbara Smit