pitter@jornaldoisirmaos.com.br
Esquecimento e repetição estão entre os primeiros sinais de senilidade.
O motivo é simples: a vida se repete, mas a gente esquece. Logo, vetustos e mancebos podem ser acometidos do mesmo reflexo – em graus e motivações diferentes, por óbvio.
Como eu ia dizendo...
Esquecimento e repetição estão entre os primeiros sinais de senilidade.
O motivo é simples: a vida se repete, mas a gente esquece. Logo, vetustos e mancebos podem ser acometidos do mesmo reflexo – em graus e motivações diferentes, por óbvio.
***
Admito que até pensei em seguir me repetindo propositalmente, evocando uma ironia nem tão fina assim. Fico imaginando, porém, a cara de enfado do pobre leitor – se é que ele existe – ao descobrir-se engambelado por linhas vãs, tortas, supérfluas, perdendo tempo e um resto de paciência. Por sorte, talvez o sujeito nem tenha chegado até aqui, percebeu de pronto a troça e trocou de passatempo. (Não condeno, talvez fizesse o mesmo.)
Pode não parecer, mas a beleza da vida está justamente na temida passagem do tempo. Enquanto o corpo se curva e enruga, a mente e o espírito daqueles que alcançam a bênção do entendimento e da compreensão do outro e de si mesmo se expandem. Eu sei que os anos pesam, calejam, maltratam; porém, assim como os amores, as dores são inevitáveis, e o único remédio é saber postergá-las. (Deixem-me sofrer por último, por favor!)
Eu sei, também, que pode soar pretensioso de minha parte especular sobre o tempo e seus desdobramentos, eu que estou na metade do caminho daqueles bravos que já passam dos 80 e cujos desgostos com suas limitações têm procedência. Creio, no entanto, que a lição mais interessante do tempo talvez seja aprender a administrá-lo. (E o que eu ainda não sei, espero ter tempo para aprender com ele e com todos aqueles bravos.)
***
Pena que certas coisas nem o tempo é capaz de nos fazer entender completamente: a intolerância, a ignorância, todas as ânsias do homem pelo poder.
(Ah, e o coração das mulheres.)
*
INSTANTE NA ESTANTE
“A solidão se revelou como uma fenda imensa em que Louise se viu afundar. A solidão que colava em sua pele, em suas roupas, começou a moldar seus traços e deu a ela os gestos de uma velhinha. A solidão aparecia no seu rosto no fim do dia, quando a noite cai e chegam os ruídos das casas onde vivem muitas pessoas. A luz diminui e o rumor chega; os risos e as respirações, até mesmo os suspiros de tédio.
A solidão agia como uma droga da qual ela não sabia se queria abdicar. Louise vagava pela rua, desconcertada, os olhos tão abertos que doíam. Na solidão, ela começou a olhar para as pessoas. A vê-las de verdade. A existência dos outros se tornou palpável, vibrante, mais real que nunca. Observava nos menores detalhes os gestos dos casais sentados nos terraços. Os olhares oblíquos dos velhotes abandonados. A afetação dos estudantes que fingiam estudar, sentados no encosto de um banco. Nas praças, na saída de uma estação de metrô, reconhecia o estranho desfile dos que estão perdendo a paciência.”
Canção de Ninar – Leïla Slimani (1981)