Por Alan Caldas – Editor (De Valência, Espanha)
Há um tempo na vida em que se anda a bala. Pé no fundo. Como fugindo de algo. De si mesmo, talvez. E, num período assim, décadas atrás estive aqui em Valência.
Hoje retorno. E nem acredito que antes aqui estive, pois nada do que agora vejo eu havia antes visto.
Onde estava com a cabeça? – me pergunto.
Vim, naquele então, porque aqui em Valência nasceu José Maria CARRASCO Mena, o genial e hoje infelizmente falecido estilista de sapatos.
Carrasco é o homem (segundo disse seu Nestor de Paula) “para o qual o sapato deve dizer muito obrigado”.
Carrasco era meu amigo. Mais do Vinicius Bossle, é claro, que igualmente amava Valência e que foi quem me apresentou o Carrasco em nossos cafezinhos aos sábados lá no Luna Bar, no Calçadão de Novo Hamburgo.
E porque conhecia o Carrasco e estava pela Europa, tomei um trem. Vim a Valência. Desci na estação Del Nort. A pé, fui até a Plaza de La Virgen. Entrei num restaurante ao lado da Igreja Nossa Senhora de los Desamparados. Comi a Paella valenciana (com frango). Voltei ao trem. E parti.
E essa foi TODA a imagem que por décadas tive de Valência em minha mente: o trem, a estação, a igreja dos desesperados, um restaurante e sua Paella com frango e eu novamente partindo.
Sei que fiz aquilo para, depois, junto com o Carrasco e o Vinicius, ficarmos rindo do “tantão” de Valência que havia conhecido.
Talvez você não saiba, mas fui Juiz de Paz em Novo Hamburgo por 25 anos. Sim. No Cartório da primeira zona. E no dia em que casei o Carrasco com a Laura, na segunda núpcia dele, a única testemunha foi o magnífico doutor Cláudio Strassburger. E quando soube que não tinha me interessado “muito” por Valência, todos rimos às gargalhadas durante o brinde com champanhe Ponsardin ao “Sim” do novo casal. E já no efeito do champanhe, cada um no “Mesón Don Quijote” (a adega na casa do Carrasco e da Laura onde celebramos o casamento), cada um ali arrumava e indicava um lugar mais lindo para conhecer e viver em Valência.
Naquela época, réu confesso, a vida era outra coisa. E de tão rápido não vi o “Casco Viejo”, o Centro histórico de Valência.
Não vi Sitio arqueológico L’Almoina.
Nem a “Lonja de la Seda”, o mercado de seda.
Tampouco a “Plaza de Toros”, onde ocorrem as (ao meu ver) impressionantes “touradas”.
Não vi (onde estamos ao lado, agora) as Torres de Serranos.
Não fui às praias da cidade, tão apreciadas pelos europeus todos.
Não passei no Mercado Central de Valência, recheado de queijos, vinhos e azeites.
Nem bebi uma Horxata, o refresco deles e que tem como base a chufa, um tipo de tubérculo, e que eles adoram.
A única coisa que não vi porque nem poderia ter visto, mas que quem vier tem de ver, é a Cidade das Artes e da Ciência. É um complexo moderníssimo (mas põe moderníssimo nisso) e que foi inaugurado em 1998, depois que estive aqui.
A última ceia em que vi o amigo Carrasco foi numa Paella que ele fez para nós, também na casa dele, em Novo Hamburgo. Estavam lá, também, o Vinicius Bossle e o Alceu Feijó, e bebemos sangria e, no digestivo, jerez e queijo manchego, de Valência.
O tempo dá. E o tempo tira. E assim como me trouxe o Vinicius, o Feijó e o Carrasco, ele, o Tempo, os levou. Mas onde quer que estejam vocês três, se é que em algum lugar estão, quero dizer que desta vez eu vi tudo aquilo que me disseram que deveria ver. E no meu coração vocês ainda estão aqui, vendo, comendo, bebendo e sorrindo ou se entristecendo comigo, que sigo andando no Tempo.