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Ainda indeciso, rendo-me à Prudência de Tim Bernardes na voz de Maria Bethânia:
Me pego pensando na vida
Suspirando em silêncio
Tentando manter o controle, a prudência
Que dizem levar a uma vida de paz
Mas que paz posso eu encontrar
Nessa tranquilidade
Sem um sentimento, aventura ou vontade
Se eu sinto saudade de sentir prazer
Me pego evitando os amores
Que desejo em segredo
Da intensidade da dor tenho medo
Quem já se feriu presta mais atenção
Mas longe de qualquer perigo
Eu me afundo num tédio
Que vida vazia sem nenhum mistério
Na dura apatia de um controlador
Prudência, não me venha falar em prudência
As paixões que me descontrolaram
São as que fizeram eu ser como sou
*
Minha indecisão não tem relação com domingo, mas sobre o que escrever nesta véspera de novembro que antecede dezembro antes de janeiro e todos os meses e anos que se sucederão e dos quais ainda espero fazer parte pelo menos em parte... UFA! (Poupei as vírgulas com receio de tropeçar e acabei esbaforido.)
Por mais que alguns tentem fazer parecer, o mundo não acabará depois desta eleição, provavelmente nem depois das outras. Nossa capacidade de sobrevivência a todos os tipos de governos e desgovernos é inesgotável. Seguiremos na teimosia da esperança por dias pelo menos mais amenos, ainda que sufocados pelas incertezas.
Infelizmente, o terrorismo político faz parte do jogo insano pelo poder, é pimenta que cega e desvirtua. Não deveria ser assim. Quem sabe um dia seja diferente. (Oremos.)
*
Se a canção não quer saber de prudência, por aqui, longe da poesia e suas licenças, ela se faz necessária. Bom fim de semana a todos.
*
INSTANTE NA ESTANTE
Anos depois, durante uma conversa com Will Smith no set de Esquadrão suicida, tive uma epifania. Ele me perguntou:
– Viola, quem é você?
– Como assim? Eu sou eu – respondi com uma confiança forjada.
Ele perguntou outra vez:
– Não, mas quem é você?
– O que quer dizer com isso?
– Olha, eu sempre vou ser o garoto de 15 anos que levou um pé na bunda da namorada. Sempre serei esse garoto. Então, quem é você?
Quem sou eu? Fiquei calada, e mais uma vez aquela memória indestrutível me atingiu. Então despejei tudo:
– Sou a garotinha que corria para casa todo dia no terceiro ano porque uns garotos me odiavam por eu... não ser bonita. Por eu ser... negra.
Will me encarou como se estivesse me vendo pela primeira vez e só assentiu. Senti um nó na garganta, as lágrimas se formando. Memórias são imortais. São imperecíveis e precisas. Têm o poder de dar alegria e perspectiva em tempos difíceis. Ou podem sufocar. Definir você de uma maneira que tem mais a ver com a percepção limitada das pessoas do que com a verdade.
Lá estava eu, uma atriz de carreira consolidada, trabalhos na Broadway, premiada e reconhecida pela reputação de conferir profissionalismo e excelência a qualquer projeto de que participava. Por Deus, até a Oprah sabia quem eu era. Mesmo assim, sentada ali conversando com Will Smith, eu ainda era aquela garotinha negra assustada do terceiro ano. E embora estivesse a muitos anos e muitos quilômetros de Central Falls, Rhode Island, nunca tinha parado de correr. Meus pés só tinham parado de se mover.
Em busca de mim – Viola Davis (1965)