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Responda rápido:
– Você é feliz?
Agora, nem tão rápido assim:
– O que é felicidade?
Deixe de lado as perguntas, concentre-se nas possibilidades de respostas. Não existe plano definitivo, somente a experimentação é capaz de nos aproximar dos inúmeros significados que cabem em palavras como feliz e felicidade. A fórmula dispensa fórmulas, dispensa certezas, pode estar na despensa que guarda e vela e esconde seus desejos, medos, inquietudes. O que aflige pode eclipsar o que liberta, o que liberta pode virar aflição. (Pense bem.)
Uma felicidade não precisa ser maiúscula, ter nome, rosto ou preço. Ela pode ser feita de retalhos, ser parte de pequenas partes de pequenas felicidades praticamente invisíveis a olho nu, que somadas se materializam em uma sombra de lágrima, em um esboço de sorriso. Porque o óbvio precisa ser dito: a sensação de bem-estar vem de dentro, reside no espaço da nossa predisposição em lidar com o que vem de fora, com o que está no entorno.
Para começo de conversa, tente ser honesto com você mesmo.
Pelo menos esse é um dos critérios que faz da Finlândia – em tese – o país mais feliz do mundo. A nação europeia lidera o Relatório de Felicidade Mundial (World Happiness Report) pelo 5º ano seguido. O estudo financiado pela ONU baseia-se em pesquisas que questionam a população sobre a sensação de felicidade e cruza essas informações com dados econômicos e sociais, níveis de liberdade individual ou de corrupção. (O Brasil aparece em 39º; a última posição é do Afeganistão.)
Segundo especialistas, apoio social, honestidade e generosidade seriam as chaves para esse bem-estar. Vale destacar aqui um trecho da reportagem do jornal O Globo sobre o assunto:
Para o psiquiatra Guilherme Spadini, professor da The School of Life, há dois aspectos a serem compreendidos sobre o conceito de honestidade. O primeiro é o valor social, que traz coisas boas para toda a sociedade, como segurança, menos ansiedade e medo, e que obviamente impacta na saúde física e mental.
— Essa coisa da pessoa poder se dar bem, do malandro, traz ganhos no curto prazo e individuais. Mas a vantagem de viver num lugar em que você não espera o tempo todo que alguém vai te passar a perna, o ganho disso é infinitamente maior — analisa.
Porém, o psiquiatra reforça que há também um aspecto pessoal, de como ser honesto pode contribuir para o bem-estar individual.
— Quando a honestidade é vista como uma virtude pessoal traz bem-estar, porque passa a ser encarada como algo que você confia em si mesmo, uma força de caráter, e isso tem associação muito próxima com felicidade. Não com aquela ideia de estar feliz o tempo todo, num estado de prazer, mas a capacidade de enfrentar momentos difíceis e ainda assim ter algo que te sustenta, uma força interior — explica Spadini.
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Honestamente, não sei se já alcancei a noção exata de felicidade. Tenho cada vez mais claro, porém, que para (tentar) ser feliz não é preciso ter mais, mas livrar-se dos excessos. (Desbaste-se!)
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INSTANTE NA ESTANTE
Julia começou a especular sobre o assunto. Com ela, tudo sempre ia dar em sua própria sexualidade. Assim que essa questão era abordada de alguma forma, ela demonstrava uma grande perspicácia. Diferentemente de Winston, entendera o significado profundo do puritanismo sexual do Partido. Não era apenas que o instinto sexual criasse um mundo próprio fora do controle do Partido – um instinto que, por isso, se possível, tinha de ser destruído. O mais importante era que a privação sexual levava à histeria, desejável porque podia ser transformada em fervor guerreiro e veneração ao líder. Eis como Julia descrevia a questão:
“Quando você faz amor, está consumindo energia; depois se sente feliz e não dá a mínima para coisa nenhuma. E eles não toleram que você se sinta assim. Querem que você esteja estourando de energia o tempo todo. Toda essa história de marchar para cima e para baixo e ficar aclamando e agitando bandeiras não passa de sexo que azedou. Se você está feliz na própria pele, por que se excitar com esse negócio de Grande Irmão, Planos Trienais, Dois Minutos de Ódio e todo o resto da besteirada?”
1984 – George Orwell (1903-1950)