Pastor Leomar Fenner – Comunidade Evangélica (IECLB)
Muralhas, paredes, cercas e divisórias têm razão de ser? Na década de 1980 aprendemos a cantar com as comunidades no Brasil o hino “Utopia”, gravado pelo cantor Zé Vicente. Ele diz em uma parte que vamos cantar “quando as cercas caírem no chão, quando as mesas se encherem de pão... Quando os muros que cercam jardins, destruídos, então os jasmins vão perfumar”. Não resta dúvida, havia a opinião de que existiam muros e cercas que impediam o cantar alegremente. O contexto era a existência de muitas famílias que queriam ter acesso a uma casa para morar e a terra para plantar. Propunha-se uma reforma agrária e uma reforma urbana.
As reformas não aconteceram na proporção que desejavam os movimentos sociais que a propunham. Houve, porém, cercas que caíram e muros que foram destruídos. Grandes fazendas foram desapropriadas e importantes assentamentos foram feitos. Hoje famílias assentadas, graças a esse movimento, sustentam, por exemplo, o título de maiores produtores de arroz sem agrotóxico na América Latina. São eles responsáveis por colocar no mercado consumidor interno e até externo um variado estoque de alimento de origem agroecológica.
Falando quase ironicamente, estamos hoje no ponto de precisar pedir ao Zé Vicente que mude a letra de sua música, dizendo que vamos poder cantar felizes quando forem erguidos muros e cercas ao redor dessas iniciativas que produzem alimento sem veneno neste país que é campeão em uso de agrotóxicos. Poderemos cantar felizes quando a Constituição Federal de 1988, que manda criar e demarcar áreas de preservação ambiental e indígenas, de fato representar cerca e muro que evitam a invasão de grandes mineradoras e criadores de gado. Poderemos cantar felizes quando existirem grandes e fortes muralhas ao redor dos lagos de dejetos amontoados por mineradoras, que, por falta de muros adequados, recentemente soterraram povoados inteiros, matando centenas de pessoas.
Precisamos agir com esperteza, como o administrador infiel. Como “filhos da luz” somos chamados a ser luz exatamente nas trevas do mundo. Procuremos, pois, conhecer e ajuntar-nos com organismos que existem em nosso lugar de vida e que foram criados para frear, para colocar barreiras de impedimento, à atuação sem limites de grandes corporações transnacionais, que estão levando o planeta Terra à exaustão.
Que a graça de Deus, que vem do outro lado do muro, nos dê sabedoria, esperteza e gratuidade para o engajamento da luz de Cristo na escuridão do mundo. Amém!