Por Rafael Sauthier*
Em 1º de março deste ano, durante o programa Fantástico da Rede Globo, foi ao ar uma matéria do médico Dráuzio Varella sobre transexuais nos presídios. Chamou a atenção o caso do preso Suzy, que não recebe visitas na cadeia há oito anos. Durante a entrevista, o Dr. Dráuzio abraça ele e comove parte dos telespectadores. Dias após, inúmeras críticas surgem nas redes sociais. Motivo: a referida transexual estava presa por ter estuprado e matado um menino de apenas 9 anos de idade. Além disso, o transexual teria abusado de uma criança de 3 anos e tentado estuprar um sobrinho de 5 anos.
Tais fatos, omitidos na matéria, causaram espécie nos internautas, transformando o assunto num dos tópicos mais comentados na internet. Em sua defesa, o Dr. Dráuzio disse que atuava como médico, não como juiz. Toda essa celeuma me fez lembrar de um fato ocorrido numa das visitas técnicas que eu e meus alunos da Faccat recentemente fizemos numa casa prisional gaúcha. Durante a visitação, um aluno fez uma pergunta muito pertinente a um policial militar. Questionou se ele não se revolta com os crimes cometidos pelos presos com os quais ele trabalha. A resposta foi a seguinte: na sua atividade, ele não procura saber quais os crimes cometidos pelos detentos.
Para ilustrar isso, ele contou um episódio vivenciado. Num determinado dia, um policial militar caiu num fosso de esgoto do presídio e lá ficou preso, sem conseguir sair. Ele estava em risco de vida, e a situação toda começava a ficar complicada. Até que um detento se voluntariou para ajudar. Ele desceu no fosso e de lá conseguiu ajudar o referido policial a sair e se salvar. Todos os policiais e funcionários do presídio ficaram muito admirados pela atitude do referido detento. Foram então verificar o motivo pelo qual ele estava ali preso: ele havia matado brutalmente outro policial. O PM que nos contava a história disse que a partir daquele dia nunca mais procurou saber quais os delitos praticados pelos detentos.
Eu entendo a atitude profissional do Dr. Dráuzio Varella perante os presos com os quais ele trabalha. E acho que as pessoas que têm esta missão difícil de lidar com a massa carcerária precisam fazer isso para poder exercer suas atividades. A única crítica, talvez, seja o fato de a matéria ter omitido do público os crimes cometidos pelo referido transexual.
(*) Rafael Sauthier é Delegado de Polícia há 18 anos e exerce suas atividades no Vale do Sinos. Também é mestre em Ciências Criminais pela PUC RS e professor de Direito Processual Penal na Faccat