Por Alan Caldas – Editor
É o caso da amiga Ilvene Dillenburg.
Como profissional, a Ilvene era sem concorrência entre um grupo de mulheres que procuravam cabeleireira. E lembro dela já ali na casa onde a Nice Closs abriu o Bule Café.
O segredo dela? Ela sempre tinha horário no salão Modelling, cujo nome mesmo era “salão da Ilvene”. Encaixava quem precisava.
Nasceu no Travessão São Luiz, a Ilvene. E ali cresceu. Casou. Teve filho, o William. Mas casamento às vezes vai bem, outras mal. Ela se separou, uns 25 anos atrás. Foi um falatório do inferno. Lúcifer se alegra na desgraça. Mas ela superou.
Sofreu. Chorou. Se depreciou. Achou-se a última das mulheres, me disse um dia. Mas não se entregou. Era gigante. Levantou. E brilhou na profissão.
Uma tarde fui lá nela cortar cabelo. O salão era no outro lado da rua São Miguel. Não sei se na casa do Hess, o “Tio”, onde hoje está a Schuh Haus. Ou se era um pouco à frente, na casa do seu Osvino Petry. Só lembro que não era mais na casa do “Bule”, pois o Ricardo Scholl já havia incorporado a área para construir o São Miguel Center.
Sentei na cadeira. Ela sempre me chamava de “cara”. Nunca disse “Alan”. Era cara para lá. Cara para cá. E um dia perguntei:
– Ilvene, tu por acaso sabes meu nome?
– Claro que sei, cara ...
(Kkk... acredito que ela não sabia.)
Naquela tarde, entre uma e outra tesourada, ela disse:
– Vou para Novo Hamburgo, cara. Até já vi sala lá.
Falou assim, “en passant”, rapidamente. Me cortou o cabelo. Saí da cadeira. Paguei. E chegando ao Jornal Dois Irmãos perguntei ao Pitter:
- Temos manchete?
Não tinha. Então a manchete é esta, eu disse:
Cabeleireira Ilvene vai se mudar para Novo Hamburgo. E o texto explicava a decisão dela.
Duas horas depois a edição estava na rua. E foi uma bomba.
Ilvene era famosa. E naquele dia era só disso que a cidade falava.
A Ilvene também foi surpreendida pela manchete, é claro. E no dia seguinte veio ao jornal. Entre uns “cara do Céu” e outros, ela disse que de fato ainda não estava bem certa de ir, mas que já que eu tinha escrito, então ela iria.
Foi assim que a Ilvene chegou em Novo Hamburgo.
Se alguma mulher ler este texto, lembrará que dezenas de mulheres daqui iam lá no salão dela fazer o corte e já aproveitavam para passear pela capital do Vale.
Profissão enche. E a Ilvene cansou do “cabeleireirismo”. Decidiu que queria ser terapeuta. Acreditou que a técnica de ThetaHealing era a praia dela, no mundo holístico. E estava feliz.
Mas vida vem sem aviso e sem aviso vida vai. Eis o mistério!
Um dia, a Ilvene veio ao jornal. Queria um local para os cursos dessa nova terapia. Me perguntou da chácara que temos ali no Travessão.
Lá é perfeito para os cursos, ela disse. Alto. Silencioso. Ar puro. Pomar de frutas. Pássaros. Laguinho. Conexão com o astral. Tem tudo lá, Alan, me disse ela. “Podemos fazer uma parceria, cara, o que tu achas”?
Aceitei na hora.
Bem e Mal se batem e debatem. Eu sei. Já vi. E naquela mesma hora a Ilvene me disse que estava com câncer. Senti um calafrio. Ela, porém, iluminada pela consciência terapêutica, sorria o tempo todo e me disse que faria um tratamento “holístico”.
E aí eu tremi. Pedi que ela não desacreditasse da alopatia. Há Deus na ciência, eu disse. E ela sempre rindo concordou. Mas queria o holístico, me disse, pois isso para ela era o mais importante.
Passadas semanas, a doença acelerou. Metástase nos ossos, disseram. Gelei. E me preparei para o pior. Já havia visto isso no Romeo Wolf. Na época, o ex-prefeito teve câncer de pulmão e que fez metástase nos ossos. Então perguntei para uma médica “como seria” o caso do Romeo e ela me disse:
– O Romeo é forte. Vai durar 30 dias...
Em 28 dias, o genial Romeo nos deixava.
A Ilvene teve assistência. O hoje secretário da Saúde, Nilton Tavares, seu vizinho, a inseriu no SUS. Mas já não adiantava. E uma noite, triste noite, o Ademir Schneider me ligou e disse:
– A nossa Ilvene partiu, Alan. Estou arrasado!
Agora, sempre que passo no Travessão não tem vez que não recorde a amiga Ilvene. Mas não a vejo triste, sabia?
A vejo sorrindo, bem alegre e positiva, cheia de esperança e planos para um futuro mais sorridente e feliz.
É assim que a vejo. E penso que é assim que ela deve estar, seja lá onde for que esteja. É ou não é, amiga Ilvene? “Claro que é, cara ...” ouço ela toda sorridente me respondendo lá do infinito, e ainda sem lembrar o meu nome . . .