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Falem bem, falem mal, mas falem de mim?
Não. Não é bem assim.
A história que contarão talvez não lhe agrade, mas você estará morto e seus protestos não alcançarão este plano. O que fica de nós sempre será outra versão dos fatos, pontos de vista de quem viu tudo de fora, baseado em seus próprios conceitos e crenças. (Que perigo!) Não que uma autobiografia seja mais confiável, mas por que deixar o enredo da nossa vida nas mãos de outros? Se for para mentir, que minta você – e com propriedade!
Ao invés de se prender a testamentos, deveríamos deixar uma versão de nós mesmos escrita nem que seja num caderno velho. No mínimo uma sinopse ou breve resumo que possa contrapor indícios de maledicências que, muito embora flertem com a verdade, deveriam ser mantidas fora do alcance das crianças. Reserve-se o direito de ser lembrado como gostaria, mesmo sabendo que o que venderá, de fato, será sua biografia não autorizada.
Lembre-se:
Aos olhos dos outros, somos mais do invólucro visível que do produto em si. Se a aparência engana ou não, está fora de questão. O que está posto, ainda que seja o oposto, muitas vezes nos define sem remédio. Eu sei, é um tédio! Mas que fazer diante das expectativas quando elas não nos pertencem, ainda que falem de nós ou por nós? Não se prenda ao pensamento do outro, simplesmente seja outro quando lhe for conveniente (e prudente).
E não esqueça:
Depois de nós, haverá inumeros outros. O ciclo não se encerra aqui; é vicioso, intransigente. As transgressões ficam pelo caminho como adubo do que não presta. Relembre que até entre espinhos há vida, além da dor e do tempo indelével. Tema o que não pode ver, mas tema mais ainda o que soa inacreditável aos olhos da alma. O visível risível acoberta a intenção real de todo desejo, no ensejo de ser percebido quando é tarde demais.
Outra coisa:
Na verdade, duas coisas que não sabemos medir: nossa força e nossas fragilidades.
Por maior que seja a consciência dos próprios limites, sempre haverá espaço para surpresa. A autoimagem pode ser tão ou mais enganadora do que a imagem que os outros fazem de nós.
Quanto do que você conhece de si mesmo é verdadeiro? Quanto do que você tem como certeza não passa de uma impressão borrada, um reflexo que nem de longe é seu? Há quem leve uma vida buscando sua identidade. (Há quem nunca a encontre.)
Por fim, meu amigo:
Saiba que corações de gelo também ardem e sangram. Por mais que pareçam instransponíveis, guardam frestas escamoteadas no fingimento por onde vertem suas dores e dissabores. É o amor – ou a definição que melhor lhe aprouver – que nos fortalece pela vulnerabilidade, num paradoxo crucial e irremediável. Mesmo insensíveis padecem pelo sentimento, nem que seja pelo sentimento da presunção de que nada lhes fará vergar, quando, em verdade, já encontram-se de joelhos. (Bela frase, hein?)
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INSTANTE NA ESTANTE
“Acontece muito rápido”, disse ele. “Você só pensa: Já deu pra mim. Não quero mais fazer isso. Cansei de tudo isso. E, na verdade, é algo que tento evitar com uma agenda razoável, me divertindo e passando por boas mudanças, porque, como você mencionou, se você faz sempre a mesma coisa – não importa o que seja – vezes de demais, o tempo todo, com muita frequência, vai acabar entediado. Não importa quão extraordinária possa ser sua vida. Então penso que é aí que entram essas viagens, ou uma boa sessão de treino, ou férias maravilhosas, ou alguns torneios incríveis em sequência, aguentando firme, não importa o que venha pela frente... É nessa mistura que encontro os recursos para fazer mais, a energia para fazer mais. Na verdade, é bem simples, de certo modo.”
Vendo Federer permanecer renovado e disposto com mais de trinta anos, contra a lógica e contra os precedentes no tênis, fiquei intrigado ao perceber que sua habilidade de aproveitar o momento se devia, na verdade, à premeditação. Se ele era relaxado e solícito apesar das forças que o puxavam em todas as direções, era porque conhecia a si mesmo e seu microcosmo bem o suficiente para evitar armadilhas que poderiam apagar sua chama.
Mas, é claro, essa intencionalidade está em perfeita harmonia com sua carreira de modo geral.
Federer: O homem que mudou o esporte – Christopher Clarey