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A política atual escancara a ignorância coletiva. Talvez seja assim desde sempre, mas a sensação de que está pior é quase uma certeza. Cada vez mais nos aferramos a princípios no mínimo duvidosos, tentando justificar os meios pelos fins. E tudo isso sem meios termos, sustentando verdades que voam com a brisa marota de um fim de tarde, verdades que estão mais para arrotos involuntários de aroma nauseabundo. (Saúde!)
Enquanto isso, a massa segue no pasto, mugindo, flertando com a própria desgraça – que graça! A qual umbigo se prestam, pouco importa. (Contente-se apenas em contentar-se, meu caro.)
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Vacinar-se contra a Covid é importante, mas será que temos anticorpos para outras mazelas pandêmicas como solidão, injustiça, preconceito? Ando ressabiado, talvez quatro doses não sejam suficientes. A imunidade da humanidade nunca esteve tão baixa, roçando o poço sem fundo da tartufice, da pilantragem. Vetustos dirão que tal paroxismo não é novidade, que ele se repete de tempos em tempos; ainda assim, são tempos sombrios.
Resta-nos a maldita esperança e uma boa garrafa de vinho. (Aprecie ambas com moderação.)
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Idiotas se infiltram pelas frestas do abominável. Eles sobrevivem porque há plateia, porque seus pares são mais numerosos do que se imagina. Tornam-se valentes pela força do bando e, assim, procuram intimidar e eliminar qualquer dissonância. Seu poder argumentativo tem muito pouco (ou quase nada) de argumentação, é impositivo, inquisidor. O confronto visceral lhes favorece porque expor vísceras costuma eclipsar o foco da questão.
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Não basta ser sincero apenas no raso, onde dá pé. Qualquer um é capaz de dizer verdades fáceis, unânimes, mas são poucos os que se aventuram em profundidades onde a densidade da água limita os movimentos mais simples e muitas vezes nos leva na direção contrária do caminho desejado. Há verdades que precisam ser expostas, contrariadas, contornadas e não apenas assimiladas como certezas imutáveis. Mais do que coragem, é preciso estômago forte. E o que é pior: antes de ser sincero com o outro, convém ser sincero consigo mesmo.
Você consegue? (Eu não!)
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Aprenda a falar menos. O silêncio é uma preciosidade necessária, permite ouvir ruídos que inundam as entrelinhas, desobstrui frequências que com frequência atrapalham. A ausência de barulho guarda conexões essenciais com as respostas que procuramos mesmo sem desejar. Isso porque certos desejos têm vida própria, são coercitivos, independem da consciência e do desejo em si. (No silêncio que lhe cabe, reflita: seus desejos são seus?)
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A selfie solitária, geralmente acompanhada de uma legenda patética ou cafona ou constrangedora ou tudo isso junto, é sintoma do buraco em que nos metemos. Uma ânsia desvairada por atenção, uma prestação de contas da rotina oca que nos consome.
(A selfie solitária é a solidão em estado bruto – sem filtro.)
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INSTANTE NA ESTANTE
É uma loucura! Reconhecem a sociedade como bárbara e desumana porque ela difama uma moça seduzida. E se tu reconheces que a sociedade é desumana, então reconheces que essa sociedade causa dor a essa moça. E já que causa dor, então como tu mesmo expões essa moça nos jornais diante dessa mesma sociedade e exiges que isso não seja doloroso para ela? É uma loucura! Vaidosos! Não acreditam em Deus, não acreditam em Cristo! Mas acontece que os senhores estão de tal forma corroídos pela vaidade e pelo orgulho que vão acabar devorando uns aos outros, é isto que eu prevejo para os senhores. Isso não é uma bagunça, isso não é o caos, não é o horror? E depois disso este desavergonhado ainda vai se arrastar atrás deles para pedir desculpa! Será que entre os senhores existem muitos assim? Por que esse risinho? Porque eu me difamei com os senhores? Ora, já estou difamada, nada mais resta a fazer!... E tu não fiques aí com risotas, porcalhão! (Ela investiu subitamente contra Hippolit.) Mal consegues respirar, mas ficas pervertendo os outros.
O idiota – Fiódor Dostoiévski (1821-1881)