Felipe Borba, Delegado de Polícia e Mestre em Direito*
Por que a variante brasileira do coronavírus mata mais do que em outros países e tem maior taxa de contaminação? Cientificamente, deixo aos especialistas em saúde a apresentação de respostas. Filosoficamente, arrisco sustentar uma hipótese.
É mais letal porque se conjuga com outros vírus, igualmente prejudiciais à saúde de nossa população. Temos os vírus da ganância, do individualismo, da ignorância, da irresponsabilidade, dentre outros.
Por aqui, somos tomados pelo vírus da ganância, com variantes letais, como a cepa batizada de “jeitinho” – cujo patriotismo às avessas insiste em qualificar de brasileiro. Essa estranha mutação explica, dentre outros sintomas, festas clandestinas e estabelecimentos proibidos de funcionar que operam, mal disfarçadamente, por aí.
O trágico cenário recebe a valiosa contribuição também do vírus do individualismo, que incapacita as pessoas de atingir a compreensão de que o problema não pode ser abordado com os olhos voltados para dentro de si. A COVID-19 é uma doença que nos obriga a pensar e agir com razão altruísta, rara no atual padrão de comportamento social. A máscara, a higiene e o distanciamento têm a função primordial de proteção do outro. Aliás, uma dupla proteção: protejo o outro, ao mesmo tempo em que me protejo do outro. Não importa se você não teme o vírus, nem mesmo se renuncia ao direito de usufruir do SUS em caso de necessidade. O respeito às orientações sanitárias se destina à proteção de todos, num sentido comunitário. É maior do que você.
O vírus da ignorância, por sua vez, que encontrou no momento pandêmico um ambiente propício à proliferação, é nutrido pela falta de informação qualificada e pelas replicações de conteúdos sem respaldo científico (o famoso “mas eu li na internet”). É altamente transmissível por via oral, com as falhas argumentativas comuns a quem detém apenas opinião, mas se julga dotado de inteligência extraordinária. Qualquer argumentação que desconsidera que o vírus se propaga nas interações entre seres humanos é falha. Assim, são inconsistentes teses que defendem o amplo funcionamento de determinado setor, desde que respeite as regras sanitárias sobre uso de máscara e higiene. Sem distanciamento social, ainda que relativo, não é possível conter o vírus. A máscara não protege 100%, o álcool em gel não protege 100%, as vacinas que chegam não protegem 100%. Agora, se você ficou isolado por 1 dia, há 100% de chance de você não ter, nessas 24 horas, contraído ou passado o vírus para alguém.
Por fim, temos o vírus da irresponsabilidade social, do comportamento indiferente às pilhas de corpos, aos enterros por atacado, ao container frigorífico estacionado no pátio do hospital.
Pena que a vacina, com capacidade de neutralizar o coronavírus, nada fará com os demais vírus com os quais seguiremos lidando, pois, por maior que seja o otimismo, é improvável que o espírito de solidariedade venha “contaminar” nosso comportamento futuro, uma vez que, salvo honrosas exceções, nem diante do cenário catastrófico presente ele foi dominante.
O próprio corona tenta nos ensinar, agora levando pessoas jovens e até então consideradas saudáveis aos respiradores, intubações e óbitos. O vírus não quer deixar ninguém de fora, por isso ele vai se transformando e dando seu “jeitinho” tipicamente brasileiro.
Certo é que logo o problema estará sanado/controlado, e isso tudo vai passar. Enquanto isso, é tarefa de todos fazer com que o maior número de pessoas saiam vivas no final do processo. Como já dito, não é sobre você, é sobre os outros.
* Felipe Borba é delegado da Polícia Civil de Dois Irmãos