Por Alan Caldas (Editor)
Passei pelo Travessão, na segunda-feira, e encontrei o nosso maior artista, o Flávio Scholles. Tenho amizade muito próxima com o Flávio por agora 40 anos, mas já o conhecia do movimento Casa Velha, em Novo Hamburgo, quando ele mais o Marciano Schmitz e o Carlos Alberto de Oliveira revolucionaram a Capital do Calçado.
O Flávio foi meu real primeiro amigo em Dois Irmãos. E digo amigo porque ele vivia indo lá na nossa casa e, se tinha sede ou fome, abria a geladeira e se servia, e eu, se tinha fome ou sede, chegava na dele e fazia o mesmo. E isso é o que ser amigo significa: se sentir em casa estando na casa do outro. Sem isso não há amizade. O Flávio era meu amigo.
O curioso na vida do Flávio é que ele tinha tudo para ser um colono. Para viver da e na terra, porque todos da família dele eram assim: colonos, agricultores, pessoas da terra. Mas o Flávio tinha outra missão, neste planeta. E, um dia, ele bem jovenzinho, o genial doutor Leonel de Moura Brizola, então nosso governador, do nada lhe concedeu uma Bolsa de Estudos.
Foi assim que o jovem filho de agricultores descendentes de franceses que habitavam a colônia alemã em São José do Herval partiu para estudar arte em uma escola no meio dos italianos. Aquela Bolsa de Estudos mudou a vida do Flávio por completo. E mudaria, também por completo, a forma de se ver, compreender e sentir a arte aqui nesta região e posteriormente no mundo.
Formado, o Flávio andou por São Paulo. Poderia ter ficado lá, mas numa visita a Novo Hamburgo ele foi convidado pelo então deputado Américo Copetti para “ficar na cidade, porque a região precisava dele”. O Flávio, que então trabalhava em agência de propaganda como desenhista, acabou sendo professor em Novo Hamburgo, no Colégio Pio XII.
Mais tarde encontrou a Marisa, com quem casou e teve a Rudaia. Foi nessa época que ele, apoiado pelo prefeito Eugênio Nelson Ritzel, começou um movimento que visava espalhar arte e monumentos por todos os novos prédios que surgissem em Novo Hamburgo.
Essa visão era uma epifania, de tão grandiosa.
O Flávio, o Carlão e o Marciano ganhariam, se não me falha a memória, 2 salários mínimos por mês cada um, e criariam as maquetes das obras a serem colocadas em frente aos prédios. As obras seriam feitas a baixo custo, com ferro e concreto, mas a Arte passaria a ser vista em Novo Hamburgo com A maiúsculo.
A vida ia bem e Novo Hamburgo respirava arte, naquele final dos anos 70 e início de 80. E a arte plástica acabaria inspirando outras artes, como a cênica, por exemplo, e Novo Hamburgo teve, então, muitos grupos de teatros, que criariam festivais de teatro, de música e dança ainda hoje inesquecíveis para nós que vivenciamos e nos envolvemos de corpo e alma naquele tempo tão lindo e tão vivo.
A vida do Flávio dá vários livros, porém não tenho mais tempo para isso. Mas recordo aqui o básico para dizer que tudo que o Flávio Scholles fez está sendo sintetizado na “nova arte” que surgiu através dele e sem que ele mesmo percebesse.
São os Quadros Que Falam.
Aqui ainda são pouquíssimos (além do Flávio) que compreendem o que é isso de quadros que falam. São os quadros que “se comunicam” com o observador. Quadros que têm entre traços e cores, muitas expressões e impressões que se transmitem em forma de linguagem ao observador.
A Arte não é para ser admirada, escreveu o crítico de arte Walter Benjamim, décadas atrás. Mas isso em breve será passado, penso eu, porque os Quadros Que Falam é a nova linguagem da Arte. Ainda não é uma linguagem compreendida. E quase nem sentida ela é. Mas ela está lá. Está em vários quadros do Flávio Scholles.
Lentamente o mundo começa a perceber que há “algo mais” por trás daquele expressionismo, daquele cubismo que caracteriza os quadros do Mestre Flávio. Já existe na Europa, por exemplo, muitos artigos sobre os Quadros Que Falam. E em breve, escreva aí, filologistas, comunicadores, filósofos e neurocientistas se debruçarão sobre essas Teses e perceberemos a nova Linguagem que surge. Que surge não através da “razão”. Que surge não de forma racional. Que surge simplesmente por imanência. Que surge por ela mesma. Que surge como linguagem e vida autóctone, vinda de dentro dos traços e cores dos quadros e que será uma nova forma mundial de comunicar a Arte.
Quando isso acontecer, então o Flávio, o nosso Flávio, aquele filho de colonos que nasceu ali em São José do Herval, ficará famoso. O filósofo Martin Heidegger escreveu que não há como você criar uma ideia nova com palavras velhas. As palavras velhas trazem dentro delas conceitos antigos. E o novo é o poético. E o poético é o que está na invisibilidade e é trazido à luz por alguma mente que “vê” sem ver.
Portanto, disse Heidegger, para se falar de algo novo é preciso criar-se palavras novas e que expressem o conceito do que esse novo seja. E é justamente isso que Os Quadros Que Falam estão criando: um novo conceito de comunicação. E isso surge entre uma pincelada e outra que o Flávio dá em suas telas, sem que ele mesmo perceba na hora em que pinta e cria. Até que as pessoas compreendam essa nova linguagem, que é, no fundo, talvez a linguagem Universal que tanto sonhamos encontrar, levará anos. Décadas, quem sabe. Mas é muito importante nós aqui de Dois Irmãos sabermos que esse “novo” na Arte e no mundo da linguagem está surgindo a partir daqui.
Está surgindo a partir do Flávio Scholles e de seus Quadros Que Falam e que são como um efeito colateral da cultura que toda essa região representa para nós e para o mundo.
Me sinto honrado de acompanhar esse nascimento.
E só posso dizer “muito obrigado” por o Flávio haver abandonado a terra mas jamais ter abandonado sua cultura ou negado sua origem de colono.
O Flávio está com 73 anos e espero que, diferente de outros grandes artistas, ele viva para ver a grandeza de comunicação que surgirá através desses Quadros Que Falam se espalhar e ser respeitada no planeta todo.
Se ele verá isso, não sei. Mas é muito, muito, muito importante que nós, que eu e você, que nós todos saibamos agora, aqui e neste momento que uma nova forma de comunicar está surgindo. E está surgindo entre nós, através desses Quadros Que Falam, do meu querido amigo Flávio Scholles.