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Meu cachorro, vendo tanta gente de máscara na rua, saiu com essa:
- Até que enfim colocaram focinheira nos humanos...
Rimos muito, os dois.
Na verdade, eu ri mais do que ele. Meu cachorro não é afeito a sorrisos gratuitos e espontâneos, prefere a ironia, o sarcasmo. Entreabriu meia boca no máximo, digo meio focinho, e seguiu andando. Percebi que Weintraub – é esse o nome dele – não deixa de ter razão: para alguns humanos, o silêncio forçado cairia bem.
Sua sensibilidade canina é capaz de farejar nossos desmantelos ainda no elevador, principalmente em tempos pandêmicos e isquêmicos. Aliás, creio eu que nunca antes na história da humanidade se viu tantos pândegos soltando seus perdigotos no ar com tamanha propriedade e falta de critério. Antes que rosnem, um aviso de utilidade privada: não estou falando de política, mas do nosso próprio comportamento em relação a nós mesmos e aos outros. Não são poucos os que se aboletam nas redes com uma sanha de Weintraub (no caso, meu cachorro) e, como peixes, morrem pela boca.
Morrer, não morrem, mas acabam enterrados na vala comum da imbecilidade.
Se tiver tempo e falta de coisa melhor para fazer, experimente observar alguns comentários em determinadas notícias postadas na internet. Opiniões contrárias não raro descambam para briga de feira, com ofensas inimagináveis entre pessoas que nunca se viram. A liberdade de expressão talvez seja a maior das liberdades, mas é também uma faca de dois legumes, como diz o sábio. Na dificuldade de equalizar nossas destemperanças, acabamos nos deixando levar pela tentação do conflito, pelo medo de encontrar o mínimo que seja de coerência no contraditório.
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A propósito das tantas máscaras nas ruas, não sei o que dizer sobre a pandemia.
O vazio provocado pelo medo de algo que ainda não sabemos direito o tamanho vai se transformando aos poucos num abismo de incertezas. Até aqui, mesmo com os exemplos nefastos além-mar, tateamos no escuro à procura de algo invisível, sem forma. Tememos o pior sem saber sua real dimensão. Temos a cabeça atormentada por um futuro sombrio enquanto os pés tentam se equilibrar neste presente desajeitado. Parece que fomos amarrados aos trilhos do trem da história, um trem que ainda está a alguns quilômetros de distância, um trem que ainda não se deixa ver mas já se faz ouvir.
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Voltando ao início...
Na verdade, eu não tenho cachorro. Mas, se um dia tiver, vou dar mesmo o nome de Weintraub. Ele pelo menos teria um motivo plausível para se estranhar com os chineses...