Por Rafael Sauthier*
Na terça-feira da semana passada, durante um julgamento do tribunal do júri na cidade de Venâncio Aires, Vale do Rio Pardo, algo surpreendente e inusitado aconteceu. O réu estava sendo acusado de tentar matar a sua namorada em agosto do ano passado ao desferir-lhe sete disparos de arma de fogo, que milagrosamente sobreviveu após ser atingida cinco vezes. Tudo corria normalmente no plenário do júri, até que a vítima interrompeu os trabalhos e pediu autorização aos jurados para se aproximar do réu. Foi então que ela disse que o perdoava e, se não bastasse isso, beijou-o na boca na frente de todos que assistiam à cena perplexos.
Uma cena perturbadora. Não propriamente pelo perdão concedido ao seu algoz, atitude nobre e até louvável. Mas pela nítida reconciliação com o assassino e pelo exagero de beijar-lhe a boca na frente de todos. Obviamente, feito da forma que foi, a atitude teve uma nítida intenção de beneficiar o réu no momento da sentença, livrando-o da condenação, ou talvez até atenuando-lhe a pena. Perdoar alguém é uma atitude elogiável. O problema está em insistir num relacionamento como este. O fato evidencia uma temática que já havia sido objeto de outra coluna nossa aqui neste espaço. Nos casos de violência doméstica, as próprias mulheres contribuem para perpetrar agressões e situações abusivas. Infelizmente, mais um sintoma de uma sociedade que adoeceu e parece sem rumo.
O fato é icônico, da mesma forma que foi o triplo assassinato de uma família inteira motivado por uma discussão de trânsito banal. O acusado, agora preso temporariamente, é praticante de “paint ball”, modalidade de tiro esportivo que simula combates com armas de fogo. No caso do beijo no plenário do júri, a cultura da violência se manifesta através da própria vítima. Lamentável.
(*) Rafael Sauthier é Delegado de Polícia há 18 anos e exerce suas atividades no Vale do Sinos. Também é mestre em Ciências Criminais pela PUC RS e professor de Direito Processual Penal na Faccat