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É como canta o grande poeta Joseph Philip Leonardus IV, um dos principais nomes do chamado modernismo impressionista pós-ultramoderno:
Ela só quer socadão
Sentadinha e rebolada
Vai ser Pa Pa Pa
Pá nessa Malvada
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De que vale a posteridade se quando se tem idade as coisas não acontecem?
Reza a lenda que Vincent van Gogh (1853-1890) vendeu uma única tela em vida, A Vinha Encarnada (1888), por módicos 400 francos para a pintora belga Anna Boch (1848-1936).
– Não sabemos exatamente quantas pinturas Van Gogh vendeu durante a vida. À época, seu trabalho era considerado moderno demais aos olhos dos negociantes de arte – explica Nienke Bakker, curadora do Museu Van Gogh, em Amsterdã.
– Quando jovem, ele chegou a trocar algumas de suas telas por um prato de comida ou alguns tubos de tinta – acrescenta ela, em entrevista à BBC.
Segundo a reportagem, Van Gogh pintou 879 telas em menos de uma década. Na falta de dinheiro para contratar modelos, recorria a um espelho para pintar a si mesmo – foram 37 autorretratos. Ou pintava conhecidos que não cobravam cachê para posar. Perto do fim da vida, trabalhava 16 horas por dia, comia mal, dormia pouco e bebia demais.
Ao contrário do ‘poeta cantador’ Joseph Philip, também conhecido como Zé Felipe, Van Gogh não ficou rico nem conheceu o devido sucesso. Sequer imaginou que algumas de suas obras, como Os Girassóis (1888) e A Noite Estrelada (1889), estariam entre as mais famosas da pintura universal. Aliás, o que diria o grande pintor holandês se soubesse que, 100 anos após sua morte, Retrato do Dr. Gachet (1890) seria vendido por US$ 82,5 milhões (R$ 417,4 milhões)? O quadro, uma homenagem ao médico francês Paul Gachet (1828-1909), que cuidou da saúde mental de Van Gogh em seus últimos dias de vida, foi arrematado por um empresário japonês em 1990 e ostenta o título de maior valor pago por uma de suas obras.
(Weintraub, meu cachorro, lendo os versos de abertura da crônica e a coincidência da reportagem sobre o pintor holandês na sequência, quis fazer piada evocando um episódio famoso na vida de Van Gogh, mas não deixei – e ainda puxei sua orelha!)
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Por falar em gênios, lembrei do modesto currículo de Leonardo da Vinci (1452-1519) em carta ao governador de Milão – está na biografia escrita por Walter Isaacson:
– Nos primeiros dez parágrafos, enalteceu seus talentos como engenheiro, incluindo as habilidades em projetar pontes, canais, canhões, veículos blindados e edifícios públicos. Foi só no décimo primeiro parágrafo, e bem no fim, que ele mencionou que também era artista. “Da mesma forma, na pintura, eu posso fazer tudo que for possível”, escreveu ele.
ELE, simplesmente o criador de A Última Ceia e Mona Lisa. (Era um currículo respeitável, porém hoje talvez lhe fizesse falta o domínio do inglês.)
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A propósito, quem sabe um dia eu também alcance o merecido reconhecimento, seja pela falta de talento ou pela mania de grandeza.
(Ah, uma última informação: consta que os versos do poema ‘Malvada’ foram inspirados na musa do poeta, a bela Virginia Insta von Gram II.)
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INSTANTE NA ESTANTE
“O editor, que se chamava Michael Bittner mas que gostava ou lhe agradava que seus amigos o chamassem de Mickey, como o camundongo, explicou que um bombardeio de saturação era quando um montão de aviões inimigos, mas um montão grande, enorme, superlativo, deixava cair suas bombas num terreno limitado do front, um pedaço de campo previamente demarcado, até que não restasse dele nem um tufo de mato.
– Não sei se me expliquei com clareza, Benno – disse olhando fixamente Archimboldi nos olhos.
– O senhor se explicou com clareza meridiana, Mickey – disse Archimboldi ao mesmo tempo que pensava que o fulano em questão não só era pesado mas também ridículo, daquele ridículo que só têm os histriões e os pobres diabos convencidos de ter participado de um momento determinante da história, quando é bem sabido, pensou Archimboldi, que a história, que é uma puta simples, não tem momentos determinantes mas é uma proliferação de instantes, de brevidades que competem entre si em monstruosidade.”
2666 – Roberto Bolaño (1953-2003)