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Weintraub, meu cachorro (imaginário) de estimação, a cada dia que passa parece mais desesperançado. O coitado envelheceu sensivelmente nestes dois anos de pandemia, ainda que a Covid-19 seja apenas uma na sua longa lista de desilusões. Percebo ele deveras ressentido com nossa espécie, sem entender a dificuldade dos humanos em se entenderem. (Quase consigo ler seus pensamentos aborrecidos, melancólicos, enfarados.)
Apesar de bruta, instintiva, a inteligência canina soa mais pragmática e verdadeira, sem a distância entre teoria e prática que vive a nos perseguir. Se eles parecem gente, a gente tem vezes que eu nem sei o que parece. Confesso que não tenho ânimo para repreender meu cachorro, pois a desesperança dele talvez seja a minha também. Aliás, para ser-lhe justo, devo resgatar a culpa que me cabe na melancolia de Weintraub.
De duas a três vezes por semana ainda tenho o hábito de assistir aos noticiários na TV. Weintraub costuma me acompanhar ao pé do sofá, entre suspiros e ruminações. Dias atrás, ao ver a figura de fulano (insira aqui o nome do político de sua preferência – ou não) na tela, ergueu-se inopinadamente e começou a rosnar e a latir com o tanto de ímpeto que lhe resta. Que fique claro: não por faro ideológico; sua reação a outros nomes é idêntica.
Acontece que Weintraub não entende como nós, humanos inteligentes e parcimoniosos, somos capazes de maltratar animais inocentes como ele e adotar políticos de estimação sem o menor pudor. Seu desassossego é generalizado, não escolhe bandeira. Há quem crucifique a generalização e acabe crucificado injustamente por ela, mas compreendo meu pobre cachorro: diante de tantas desilusões, o melhor é desiludir-se de uma vez por todas.
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Vendo seu desgosto com a política, tentei algo mais ameno porém não menos relevante:
– Escuta essa: Ex-BBB Maíra Cardi diz que passou por uma reconstrução vaginal após descobrir as traições de Arthur Aguiar. O que achou, Weintraub? Weintraub? Weintraub? Não brinca comigo!
Após alguns segundos de pequena aflição, ele parou de se fingir de morto, abriu os olhos e me encarou como quem diz:
– Quem tá de brincadeira é tu, seu idiota!
Esse Weintraub...
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Para conhecer um pouco mais da história do Weintraub, leia também:
https://jornaldoisirmaos.com.br/coluna/24042020-meu-cachorro
https://jornaldoisirmaos.com.br/coluna/15052020-e-dai-
https://jornaldoisirmaos.com.br/coluna/25052020-palhacos-e-cachorros
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INSTANTE NA ESTANTE
“Há uma boa dose de incompreensão no amor, é isso que sustenta ou afoga um relacionamento. Laura não entendia Leon completamente, e creio que o mesmo aconteceu com ele muitas vezes em relação à Laura. Porque eles eram de fato opostos em várias coisas, mesmo com aquele amor em comum pela arte. Laura era sonhadora e frágil, quase infantil para algumas coisas, turrona e obsessiva para outras. Leon era um homem solto; quando abandonou a sua cidade pela primeira vez, livrou-se de todas as amarras para sempre. Laura acabou sendo uma talinga e tanto para ele, inesperadamente.
Mas eles se entendiam, aqueles dois. Eles se amavam. Em uma gaveta, no fundo de uma caixa cheia de velhas notas fiscais e cartões de empresas, encontrei um pequeno bilhete. Um trecho de bilhete, melhor dizer, porque parte dele havia sido rasgada, talvez para anotar um recado mais urgente, um número de telefone, uma conta bancária. A vida é assim, uma urgência vai substituindo a outra. Guardei o bilhete, que dizia: ‘É como andar numa corda bamba... Vejo que nem tudo está bem pra você, dias felizes, outros não. Me dá um medo. Medo por você, por mim, por nós. Medo de eu ter empurrado você pra esse picadeiro. Desculpa, meu amor. Conta comigo, meu amor.’”
Navegue a lágrima – Leticia Wierzchowski (1972)