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A pandemia nos aproximou da falta que algumas pessoas nos fazem.
Por outro lado, nos desacostumou da presença de outras, que se tornaram dispensáveis.
É triste admitir, não existe razão específica para isso. A distância apenas fez seu trabalho, sedimentou um caminho antes escondido nas sombras da falsa sensação de pertencimento. Não há motivo para choro, tão pouco para desespero. As pessoas não deixam de ter a sua importância por simplesmente não convergirem mais na direção de um determinado grupo; mesmo amizades longevas encontram seu ponto de saturação.
O problema, que necessariamente não precisa ser um problema, não pertence ao grupo, localiza-se no indivíduo. As pessoas mudam seus gostos, suas conveniências, suas afinidades, mudam até de cor preferida. Não é uma questão de deixar de gostar de alguém, mas de experimentar outros encantamentos. Nossa essência, penso eu, é imutável, mas está longe de ser definitiva. A construção do que queremos (a partir do que somos) pode sofrer alteração de rota, nos aproximando ou afastando sem a menor necessidade de drama.
Evidentemente, alcançar tal compreensão requer tempo. O autoconhecimento faz parte do processo de entender e aceitar o outro. Às vezes, as pessoas cansam umas das outras e precisam de espaço para recuperar o fôlego. Não é preciso querer mal quem no fundo só lhe quer bem, mesmo que à distância. Também não é preciso brigar para se afastar, basta um período de desencontros velados, consentidos, sem a obrigação de qualquer esclarecimento. Lembre-se: às vezes, quem explica (demais) se complica.
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Por falar em amizades...
A felicidade dos amigos tem preferência, merece ser compartilhada.
Como é bom participar da alegria de uma conquista, celebrar a vida e ver pessoas da nossa estima tocando seus sonhos com as próprias mãos. Se ficamos felizes pelos outros, pelos nossos, é porque nosso sentimento tem razão para existir, é porque nossas relações são feitas de trocas saudáveis e encontraram seu ponto de equilíbrio.
Amizades não são perfeitas – amores, muito menos. Tudo é uma questão de relacionar perdas e ganhos, fazer concessões e não alimentar o que nos indispõe. Isso não significa fugir da dor ou evitar o enfrentamento quando este se faz necessário, mas saber que há espaço para ouvir e ser ouvido.
Quem nos quer bem, nos acolhe, e cabe a nós escolher de quem se aproximar ou manter distância. Lembre-se, também, que as maiores afinidades podem estar justamente nas imperfeições e que de tóxico já basta o mesmo ar que somos obrigados a respirar quando nos deparamos com pensamentos claustrofóbicos de estranhos. Mesmo que de forma indireta, amizades e amores são escolhas.
(E quem sou eu para discursar sobre um e outro? Mero aprendiz, como todos.)
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INSTANTE NA ESTANTE
Por que tu não pode perdoar ele?
Não é óbvio?
Tu é tão mesquinho assim? Eu te perdoo por ter me deixado ir embora e escrito um bilhetinho pra ti mesmo em vez de falar comigo. Tu é incapaz de perdoar?
Eu não quero o teu perdão.
Te perdoo mesmo assim.
Eu não aceito. Me recuso a ser perdoado.
Rá! Que genial. Isso é bom demais.
O que eu fiz de errado eu carrego comigo. Nada some porque a gente decide, porque a gente quer. Ninguém pode me tirar o mal que eu fiz pros outros. A gente precisa disso pra ser uma pessoa melhor. Perdoar é como fingir que não existe. Mas a vida é resultado do que a gente fez. Não faz sentido agir como se algo não tivesse acontecido.
Perdoar não é isso! Tu é maluco! Perdoar é livrar as outras pessoas da culpa. E fazendo isso tu te liberta também. Não é fingir que não existiu. É uma doação, uma entrega. É uma escolha que se faz. Precisa de coragem, mas vale a pena.
Não é uma escolha. Não existe escolha.
Não?
No fundo não.
Barba ensopada de sangue – Daniel Galera (1979)