Por Alan Caldas – Editor (Da Espanha)
Nem todo mundo gosta de livro.
Uns acham “grande”. Outros acreditam que ler é monótono. Alguns não conseguem “se concentrar”. Outros, ainda, não compreendem o ajuntamento de tantas letras, palavras, orações, frases com conjunção adverbial e tudo isso que é no fundo a magia que faz o encantamento da leitura.
Muitos não apreciam livros e encontram razões variadas para depreciá-lo. Mas o livro... ahhh... o livro nem liga. O livro gosta de todo mundo, e fica sempre ali na estante, na mesa, no sofá, na cadeira e só disfarçando, só aguardando que o desavisado o pegue e leia.
Os descendentes de alemães aqui da nossa região têm uma expressão genial. Eles dizem que o livro fica “deitado ali na mesa”.
Uma vez o meu grande amigo Nestor Rodrigues da Fonseca estava procurando um lápis. Virou a casa e não achou. Perguntou para a empregada e ela respondeu:
– O lápis está lá na prateleira, só espiando o senhor.
Com essas duas frases, “deitado na mesa” e “espiando da prateleira”, um bom escritor já escreveria um livro.
Por que estou escrevendo isso?
Porque a Feira do Livro de Madri voltou a ser “aberta”. Retornou ao Parque Retiro, e na semana passada inaugurou sua 81ª edição. A Feira do Livro de Madri é o maior evento cultural do ano na Espanha, que é repleta de eventos culturais.
Após a não edição de 2020, que foi virtual, e a ‘mini’ edição do ano passado, a Feira retorna com sua grandiosidade novamente em ascensão. E começa com o pé direito, prestigiando as mulheres.
O universo feminino foi engrandecido nesta Feira, porque, pela primeira vez em 81 edições, Eva Orué é a primeira mulher diretora da Feira.
Num país que, assim como no Brasil, a bestialidade da violência masculina contra a mulher só será vencida se elas assumirem mais e mais postos chaves na sociedade, a Feira do Livro de Madri dá o exemplo. Nomeia uma mulher para o cargo de diretora geral da Feira pela primeira vez. E faz-se a luz!
Efeito disso, ou não, a Angela reparou que a esmagadora maioria dos jovens e crianças presentes na Feira, no dia em que fomos, eram meninas ou moças. Raros meninos e raros rapazes, infelizmente para nós, homens. “Talvez tenham ficado em casa, jogando MeineKraft”, brinquei, sentindo-me genericamente desgraçado e vendo o que o futuro reserva ao meu gênero nesta terra de humanos.
A Feira vai até 12 de junho. E me assustou saber que mais de 5 mil autores darão autógrafos. Os autógrafos são nas próprias bancas. E o número de bancas é igualmente incrível. São 378 estandes, e isso que, este ano, devido a Covid, não há país convidado. É só Espanha e suas letras sustentando a Feira.
O cartaz de divulgação ficou lindo. Os livros fazem viajar diz, implicitamente o cartaz. Foi feito pelo cartunista Isaac Sánchez, e é também uma homenagem aos quadrinhos, nos quais minha geração aprendeu a ler e a “ver o mundo”.
A Feira dedicará um dia a cada fato. Eis aí a mão feminina?
No dia 5 de junho, por exemplo, Dia do Meio Ambiente, a programação será dedicada a ele. Haverá também uma tarde dedicada às mulheres. Outra a Rússia e Ucrânia no Pavilhão da Europa. E por aí vai a diversidade.
*
Enquanto escrevo esta crônica, minha amiga Glaé informa que o meu irmão de coração Heron Vergara faleceu, aos 70 anos, levado pelo câncer, dois meses após constar-se a doença.
O Heron era dois-irmonense de coração, adorava o pão de milho da padaria Becker. Ficava iluminado ao ser atendido tão gentilmente pelos garçons e garçonetes da padaria. Ele vinha de Porto Alegre só para comprar o pão e embevecer-se com o sorriso e olhares francos, amorosos e amigos que via nas pessoas que trabalham ali. Eles nunca souberam disso, é claro, e conto para que saibam a importância do bem que fazem sem saber.
O Heron nunca casou nem teve filhos ou adquiriu propriedades. Seu patrimônio era cultural, uma imensa estante de livros que levava dentro da cabeça. Nunca os exibia, jamais se exibia, era uma junção de estoico e de epicurista, o Heron. Aqui no Vale, todos respeitamos o doutor Luis Petry, psicólogo, filósofo e artista plástico bissexto. E todos disputávamos quem ocuparia o “segundo lugar” em volume de leitura na região. Mas não tinha para mais ninguém. Era, sem dúvida, o querido amigo Heron. Nós todos só poderíamos almejar o terceiro lugar.
E então, aqui entre angústia pela perda e raiva por a ciência ainda não ter vencido a morte, dedico está modesta crônica ao meu amoroso e intelectualmente superior amigo Heron, que aqui eu com os olhos rasos de água humildemente entrego a-Deus.