Por Alan Caldas – Editor
Vou contar. Nem deveria. É meio vergonhoso. Mas conto. É que foi engraçado. Essas coisas trágico-engraçadas que se quer esquecer, mas não se consegue, porque são hilárias, embora tristes, e que por tristes e hilárias entram na nossa mente e não saem mais. Foi assim:
Estava em Porto Alegre, na semana passada, e com o amigo Eron Vergara fui tomar um cafezinho num daqueles pequenos mercados com cafeteria que só nossa charmosa capital esconde em suas ruas. São locais tipo padaria, mas que vendem de tudo, e que têm algumas mesas na calçada onde pessoas finas, elegantes e sinceras vão para rápidos encontros e bebericagem de café.
Lá estamos eu e o Eron, sentados e trocando ideias sobre a capital gaúcha. Na nossa frente, em mesas separadas, dois grupos de amigos conversam alegremente. Ou, pelo menos, era alegremente o que dava para entender de onde estávamos nós.
Nisso, assim num repente, do nada, mesmo, começa uma discussão entre dois senhores. Senhores, senhores. Digo idoso. Ambos acima de 70 e picos. Ambos bem vestidos, boas roupas, bons tênis, bons relógios, cabelos arrumados, gente de ótimo aspecto, os dois. E iniciam um bate-boca. Que cresce. Que avoluma o som. E eu ali, segurando o cafezinho quase na boca e olhar fixo neles, não entendendo bem o que era aquilo.
Pensei que era uma brincadeira. Amigos são assim. Mas não era. O tom das vozes sobe. Ambos se levantam. Começa um empurra-empurra. Giram um ao redor do outro, os dois idosos.
E eu segurando o cafezinho quase na boca, olhar parado, tentando compreender meu Deus o que é isso?
No empurra-empurra, no gira-gira dos dois, e velhos que são, um se desequilibra e cai para fora da calçada.
Plaft!, ouço o barulho.
E o senhor, um idoso, mais de 75 certamente, alto, não “muito” atlético, se estatela no chão, coitadinho. Não foi soco nem empurrão. Foi desequilíbrio, mesmo. Seu tênis Nike se levanta, quando ele cai, pois uma das pernas fica para cima. O outro, um senhor mais gordinho, vendo o tombão dá um sorriso irônico.
E eu com o café ainda quase na boca, olhar ainda fixo, procurando entender aquilo e já dizendo para mim mesmo: “meu Deeeeeus! O que é isso?”.
O idoso se levanta. Agora brabo, brabo, brabo. A queda foi uma humilhação. Então ele tira o relógio. Lembrei da minha infância em que, em qualquer desentendimento, já se tirava o relógio e o casaco, antes de partir para a (sempre leve) pancadaria. E esse senhor tira o relógio e diz, em voz bem alta: “é briga que você quer, não é?”. E repete, “é briga que você quer”. E, deixando o relógio na pequena mesa em que tomava café, se prepara para ir em direção ao outro senhor, mais gordinho e, talvez, uns 5 anos mais jovem que ele.
Nisso eu largo meu café na mesa e vou até eles. Me meto no meio dos dois e dou uns gritos de “vamos parar com isso”. Não levanto muito a voz, pois não quero ofendê-los, são pessoas bem queridas. Mas os dois estão encanzinados. Continuam se dizendo coisas.
Aí eu perco a paciência com aqueles dois senhores e levanto a voz, bem alto, fazendo uma pose meio de ditador e digo:
– Parados vocês dois!
Isso soa como um forte comando. Ou pelo menos pensei que soaria. Mas quê... Os dois ficam se dibicando.
Aí perco de vez a paciência com aqueles dois senhores. Seguro um com a mão esquerda, colocada em seu peito, enquanto digo para o outro, quase gritando:
– Sente ali, meu senhor. E sente AGORA... ouviu?
E, virando para o outro:
– E o senhor vá JÁ sentar ali naquela sua cadeira.
Um terceiro senhor, de idade já lá pelas cansadas também, se levanta e vem me dar apoio moral, pedindo para o mais gordinho sentar e blábláblá, enquanto eu, a muito custo, convenço diplomaticamente o senhor que havia caído a superar sua vergonha e PARAR COM AQUILO de vez.
Uns grunhidos para cá. Umas arfadas para lá. E a tensão vai baixando.
Com os ânimos acalmados, volto para a mesa, onde o Eron, como bom Rajnishiano, só observava meu karma em andamento.
A todas essas, meu café tinha esfriado. Então, chamo o dono do local e digo:
– Bah, amigo, essa tua cafeteria é boca-braba. Tem sempre brigas assim, aqui?
E ele, de olhos esbugalhados:
– Não senhor. Pelo amor de Deus. É a primeira vez que isso ocorre. E o pior é que eles são amigos...
“Amigos”, digo eu, dando uma gargalhada. E só então me dei conta da tragédia: imagina que aqueles dois “se unem” com os outros 5 ou 6 que estavam ali, junto com eles, e resolvem me dar uma surra?
Fico olhando para eles e pensando em mim correndo pela Avenida Goethe com aquele bando de velhinhos correndo atrás, pega-que-te-pega, bengalada para lá e para cá, querendo me bater o brim.
Dou mais uma gargalhada, ao pensar nessa cena ridícula, e, finalmente, tomo de um gole aquele café frio como o coração daqueles dois briguentos.
Enquanto sinto o café descendo pela garganta, não me sai da cabeça que essa droga de pandemia está deixando todo mundo meio doido.