Pa. Cláudia P. S. Pacheco / Comunidade Evangélica – IECLB
Então, Agar deu ao Senhor este nome: “O Deus que me Vê”
Gn 16.13a
Faz tempo que estudamos histórias de mulheres na Bíblia. Essas histórias nos fazem perceber as mulheres em suas histórias atuais. Essas aproximações requerem muita atenção e cuidado porque há um contexto social e cultural que nos difere e um tempo que nos distancia. Interessante é que nós, mulheres, encontramos muitas semelhanças entre o passado e o presente.
Hoje, ao ler as notícias lembrei-me de Agar, uma mulher que fala com Deus em torno de um poço de água, sinal de fonte de vida (Gênesis 16 e 21). Agar era uma mulher egípcia, portanto estrangeira aos olhos do povo hebreu, e era escrava de Sara, a esposa de Abraão. Deus havia prometido descendência à Abraão, mas sua esposa Sara era estéril. Então, a escrava Agar foi usada como ventre para suscitar esta descendência. Abraão e Sara nunca a chamavam pelo nome, pessoas escravas eram apenas um bem a mais dentro do rol de bens de seus donos. E chamar alguém pelo nome, o verbo invocar, tem um significado: trazer para junto de si. Agar não era bem considerada “parte” da família. Dentro da sua condição de escrava era ainda menos considerada por ser escrava “estrangeira”, uma egípcia e não nativa, por ser uma escrava “mulher” e não um escravo “varão” estrangeiro.
O conflito surge quando Agar, ao se encontrar grávida do patrão e patriarca, percebeu o seu valor querendo para si os mesmos direitos da patroa. Afinal, ela é que iria garantir a descendência. Suscitar descendência equivalia garantir a continuidade da vida. Agar sofre agressões da sua patroa e decidi fugir com seu filho para salvar a sua vida. A rebeldia de Agar denuncia o sistema de vida que a oprime. Deus a encontra numa fonte e a chama pelo seu nome. Deus a conhece e reconhece a sua dor, pede que volte à casa de seus donos e lhe promete descendência. Agar escuta o seu nome pela primeira vez. Sua realidade se transforma. Ela dá um nome a Deus: “O Deus que me vê”.
A história de Agar não é muito fácil de compreender porque fala de um tempo de “escravidão” que supostamente não existe mais, mas que parece perseverar pelas notícias. Fala de um conflito social instalado num contexto familiar, conflito difícil marcado por desigualdade de gênero, de classe e econômico. Ambas as mulheres sofrem com a organização do sistema de vida chamado patriarcal. Agar como mulher escrava e Sara com a sua condição de mulher patroa e estéril se debatem pra fazer valer a vida nesse sistema. Nessa história, Deus é aquele que está atento, vê e interfere com a sua justiça para além das fronteiras, sejam elas étnicas, de classe ou de gênero. Pena que o sistema não muda nessa história porque as pessoas não mudam. Mas, Deus oferece água. No momento atual, penso que esta história nos leva por caminhos de reflexão sobre justiça, dignidade de vida e equidade de direitos e atitudes humanas, com isenção de julgamentos puramente morais.