Por Felipe Borba, Delegado de Polícia e Mestre em Direito
Certos assuntos causam elevado desconforto. O suicídio, enquanto fenômeno social, enquadra-se nessa categoria. É um tema complexo, cuja abordagem exige reflexão desprendida de preconceitos. A resistência em aceitar os aparentes ou desconhecidos motivos que levam alguém a decidir precipitar o fim de sua vida prejudica a análise séria do tema. Somado a isso, ao tocar no assunto, corre-se o risco de ser especialmente desagradável com quem tenha perdido alguém querido em contexto dessa natureza, trazendo à lembrança o que se desejava esquecer.
Durante cerca de cinco anos, em razão da especialidade de atribuições, lidei com frequentes cenas desse tipo de fato – já que a Polícia Civil deve apurar se não se trata de um homicídio encoberto com aparência de suicídio, ou se alguém colaborou para a prática do suicídio (induzindo, instigando ou auxiliando). A experiência ensina e segue ensinando, até porque em Dois Irmãos e em Morro Reuter não tão raramente ocorrem fatos dessa natureza, havendo registros de que regiões de colonização alemã possuem índices superiores à média.
Há suicídios com motivos claros e conhecidos, seja porque a pessoa deixou algum bilhete, seja porque alguém próximo tinha ciência dos problemas daquela pessoa, etc., e suicídios com motivos obscuros, típicos de pessoas mais fechadas e sem maiores vínculos sociais e afetivos. Há suicídios mais e menos evitáveis. Lembro do caso de um jovem adolescente desolado pelo fim de um namoro, que conseguiu acessar uma arma antiga de seu avô, trancando-se no quarto e concretizando seu intento; pareceu-me mais evitável, do que o ato de um homem que, em fase terminal de um câncer, não suportando mais as dores físicas, usou uma faca de cozinha para precipitar a morte.
Alguns expressam opinião de que o suicídio seria um ato inaceitável, reprovando-o, argumentando que seria contrário à natureza ou mesmo uma afronta a concepções religiosas. Na mesma linha, há o entendimento de que o suicídio seria um ato extremamente egoísta ou covarde.
Posturas como essas em nada contribuem para a prevenção do suicídio. Entender que o ser humano possui aspectos fisiológicos, psicológicos, ambientais e circunstanciais capazes de provocar a impressão de que não há alternativa de resolução de determinado problema, é imprescindível. Sem aceitar e compreender esse ponto de partida, fica difícil colaborar com a redução dos indesejados eventos.
Condenar a conduta alheia sem a capacidade de se colocar no lugar do outro é sempre problemático, pois empobrece o debate e revela ausência de sincera preocupação com a prevenção. Isso em qualquer campo da vida, inclusive o da morte.
A prática policial me proporcionou a percepção, principalmente naqueles casos em que o motivo da ação é conhecido (explicitado em bilhete, recado, testemunhos, etc.), das características do sentimento que costuma dominar o indivíduo que toma a decisão extrema. É a sensação de que não é mais possível suportar e de que não há solução possível para seu drama. É a regra.
Doenças crônicas e causadoras de dor intensa. Depressão e outras patologias psíquicas. Problemas amorosos, afetivos e familiares. Fatos que provocam severo vexame ou humilhação. Situações financeiras e patrimoniais negativas. Insatisfação profissional. Drogadição e alcoolismo. Falta de perspectiva. Tudo isso, comum à vida de muitos, para alguns poucos, e por complexas razões, se torna insuportável.
Assim, evite julgamento, não condene, não abandone, exercite a compreensão e estimule as pessoas do seu círculo de relacionamento a procurar auxílio, principalmente se lhe parecer que existe alguma chance de alguém vir a ser tomado pela desesperança. O apoio, o amparo e a solidariedade podem fazer a diferença. Estimule a rede de apoio (familiares e amigos), recorra a um serviço especializado, como o CAPS, divulgue o número 188, do CVV (Centro de Valorização da Vida); em casos de risco iminente, exerça vigilância e neutralize potenciais meios. Entre a ideação suicida e a consumação, salvo em situações de ímpeto extremo, existem oportunidades para impedir o fim trágico.
Nenhum pai quer perder o filho, nenhum neto quer perder os avós, nenhum filho quer perder os pais, e os amigos não querem perder o contato. Inverta o egoísmo e salve a vida de quem você gosta, inverta a covardia e de forma corajosa auxilie quem, talvez literalmente, esteja na beira do precipício, cogitando o inconcebível.
A quem já perdeu uma pessoa próxima em situação análoga, meus sentimentos e perdão por rememorar; faço na esperança de reduzir a probabilidade de outros terem que lidar com o mesmo surpreendente vazio. Em tempos de cada um por si, é preciso, ao menos nesse campo, sermos todos por um.