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Ele afundou na cadeira, paralisado.
Sentiu um medo repentino retesando cada músculo do corpo. Sabia que ainda estava vivo pelo ritmo descompassado do coração, que parecia querer saltar para fora da camisa. Ela entrou decidida, como sempre, e mais linda do que nunca. Pisava firme, elegante, o salto ecoando confiança.
Seus olhos se cruzaram num átimo. Ele, exangue. Ela, indiferente.
Apesar do olhar plácido, de desdém, ele percebeu que ela o reconhecera. Pensou em levantar, em ir até lá, mas não tinha controle dos próprios movimentos. Percebeu que um risco de surpresa também irrompeu da sua expressão altiva, mas ela logo se refez, como se nada a abalasse. Sentou-se no outro lado da sala de espera da clínica, numa cadeira em posição enviesada à dele, evitando contato direto. Pegou uma revista, cruzou as pernas.
Morena de traços finos e formas simétricas, Vitória refletia a aura das grandes mulheres: forte, intensa, apaixonante. O oposto de Carlos: inseguro, febril, claudicante. Por uma dessas distrações do destino, os dois se apaixonaram e viveram um romance por quase dez anos.
Aqui, a primeira nota do autor:
Desde sempre, tentam nos fazer crer que, no amor, os opostos se atraem. Porém, mais do que isso, o que faz ele, o amor, resistir às intempéries do tempo são as afinidades.
*
Carlos e Vitória tiveram muitas afinidades – pode ser que ainda as tenham. Mas o amor deles não sobreviveu para dar sua versão dos fatos. De um dia pro outro, ela decidiu ir embora da vida dele sem maiores explicações. Há quem diga que uma mudança abrupta de direção pode cicatrizar mais rapidamente a dor do ‘parto’. Algo como aquele banho gelado que nos faz urrar, libertando o corpo de maus fluídos.
Em Carlos, o efeito foi contrário, devastador.
Mesmo passados dez anos sem qualquer tipo de contato, o reencontro com Vitória naquela clínica parecia lhe surrupiar novamente toda a calma e sensatez. Suas mãos suavam, o corpo aos poucos se livrava do torpor e começava a tremelicar de forma incontrolável, quase constrangedora. O movimento na sala foi diminuindo, enquanto ele tentava respirar e arranjar coragem para abordá-la. Mesmo depois de tanto tempo, a falta de uma explicação ainda lhe corroía as entranhas. Carlos só queria saber o motivo. Por quê?
De repente, a recepcionista anunciou:
- Vitória Magalhães de Oliveira.
“Então ela se casou”, pensou ele, ouvindo o sobrenome e desviando o olhar para a aliança que reluzia na mão esquerda de Vitória. Ela passou reto em direção à recepção. Sem saber como, ele levantou atrás dela e a puxou pelo braço. Vitória se virou e o encarou friamente.
- Por quê? – foi só o que ele conseguiu dizer.
Ela, desvencilhando seu cotovelo da mão dele, não disse nada. Seu olhar disse tudo: ‘Ainda pergunta?’. E, sem nem ao menos mover aqueles lábios vermelhos recheados de boas memórias para Carlos, Vitória se foi.
Aqui, a última nota:
Os homens podem ficar anos sem entender, mas as mulheres sempre sabem por que um relacionamento chega ao fim.
(Publicado na edição de 10 de fevereiro de 2017)