Por Alan Caldas – Editor
De tanto andar por aí vivendo, um dia você se pega dizendo:
- No meu tempo era diferente.
E, todo mundo já vai saber que o tempo fez um baita estrago em você. Mas é fato que as coisas mudam, e mudam, hoje, mais rapidamente do que no passado. Pense nos nascimentos.
Quando Dois Irmãos foi emancipada de São Leopoldo, 60 anos atrás, praticamente 100% das crianças nasciam com parteiras. Não havia o SUS e obstetras, pediatras e anestesistas, enfermeiros e técnicos na sala de parto. A sala de parto era o quarto da tua mãe. E o parto era o parto, não tinha grande coisa antes dele nem durante ou após ele. Naquela época, não existia teste do pezinho, as mães não faziam pré-natal. E se falassem em ultrassonografia, ou isso de enxergar a criança lá dentro da barriga da mãe, iam achar que era piada. Ou coisa do demo. Parto era parto, num tempo em que barriga de mulher não se sabia o que tinha dentro. E se nascia pela mão das parteiras, senhoras que auxiliavam as mães na hora do parto.
Outra coisa: a criança nascia cercada de mistério. O maior mistério era “de onde” vinham as crianças. “De onde vinha a criança”? Toda criança se perguntava isso. Esse mistério ocorria porque os pais não falavam sobre sexualidade e reprodução humana com os filhos. O sexo era tabu, coisa “feia” de se falar com os filhos. Nas famílias não se falava sobre isso. E, para driblar a curiosidade dos outros filhos, os pais ou avós inventavam “estórias” para explicar “de onde” vinham as crianças.
Em alguns lembro que acreditava seriamente que uma cegonha trazia meus novos irmãos e que, por certo, havia me trazido também. Até pensava que aqueles sonhos em que sonhava estar voando, eram um resquício do dia que tinha vindo para a casa da mãe e do pai no bico da cegonha. Se sabia que tinha uma parteira para assessorar o evento do nascer, mas de onde vinham as crianças era, sim, uma tremenda dúvida.
Porém, esse mistério era esquecido tão logo o bebê nascia, pois todos se envolviam na sobrevivência do novo integrante da família. Lembre-se que, naquela época, muitas crianças faleciam antes de completar o primeiro ano. E era, portanto, obrigatório ter cuidados especiais com o bebê.
A criança que nascia ficava no silêncio e na penumbra. Outra coisa é que o bebê nascia e era enrolado em baetas, um tecido de lã grossa que quase a mumificava, deixando a criança durinha e reta. Ninguém imaginava que os ossos vão se juntando aos poucos, conforme a criancinha cresce. Esse conhecimento, raras pessoas tinham. E aquela roupa toda apertada era para não desconjuntar a criaturinha recém-chegada ao mundo.
A luz era pouca, no quarto das mães. Os olhos do bebe deveriam se acostumar aos poucos com a luz. Igualmente ninguém fazia gritaria, porque os ouvidinhos não estavam “bem prontos”. Havia que se falar baixinho, meio que sussurrado perto dele.
E o vento? Ahhhh... o vento. Bebezinhos jamais pegavam vento. Vento significa “friagem”. E se friagem entorta boca de adultos, imagine o estrago que faria num bebê. É certo que mataria. Não. Não. Nem falar. Bebês ficavam longe das aragens.
A comida do bebê era diferente da de hoje, quando até o sexto mês a criança praticamente só ingere o leite materno e isso lhe basta. Na época da emancipação de Dois Irmãos, ali pelo terceiro ou quarto mês já se dava comida “forte” ao bebê. Papinhas de batata e arroz, cenoura amassada, caldo de feijão e temos relatos até de café preto. Aos 5 ou 6 meses, miolo de pão com frango desfiado e gema de ovo estava liberado. Era o costume da época. E não se ouviu falar de bebê que morreu disso. Bom, pelo menos eu não ouvi falar.
No quesito vestimenta as atuais fraldas descartáveis não existiam. O que cobria o bebê eram as fraldas, feitas de tecido e retalhos de pano. As calças plásticas, que seguram xixi e cocô, já existiam, sim, em 1959. Mas eram raras. E caras. Portanto, quase inexistentes. Restavam as fraldas. Muuuuuitas fraldas. E fraldas estendidas nos varais eram um símbolo das casas, na época da emancipação de Dois Irmãos.
Uma senhora me disse que fralda era a parte mais dolorida da maternidade, pois, nessa época, não existia máquina de lavar e secar. O trabalho de casa recaia sobre os ombros das mamães. E lavar fralda, não lembro de alguma mulher dizendo que tenha gostado. Até porque no frio e na chuva, tinha de se secar aquilo passando com um ferro que era aquecido com uma brasa dentro, pois não existia luz elétrica em todo lugar. Era duro.
A sobrevivência dos pequenos ficava mais difícil no frio. O Inverno parecia mais rigoroso, porque não se tinha as condições de hoje, com casas melhor construídas e possibilidades de aquecimento que parecem coisa de sonho.
Mas, e como os bebês eram mantidos aquecidos? Se usava o que tinha. Por exemplo: os bebês tomavam banho todo dia. Pais só se banhavam uma ou duas vezes por semana, se muito. Mas bebês eram banhados todos os dias. Lavava-se eles numa bacia de plástico ou de metal, com água quentinha. Não havia muito sabonete. E xampu não existia, pois é produto bem recente. O banho era mais à base de água, mesmo, e bem quentinho. Mas a criança, ao sair do banho, precisava ficar longe da friagem, lembra? Então, se colocava água quente em garrafas ou se aquecia tijolos e se colocava isso envolvido em panos ao redor da criança, protegendo-a do frio. Bebezinhos pelados, nunca se via. Nem no verão se vivia recém-nascidos peladinhos.
Hoje falam que no Brasil 8 em cada 10 bebês nascem de cesariana. Mas no ano de 1959, quando Dois Irmãos se emancipou, cesarianas eram raríssimas, pois deveriam ser feitas em hospital por médicos. E um detalhe: com anestesia geral, bem diferente de hoje.
No quesito mamãe, havia outros cuidados. Primeiro não existiam exames para detectar gravidez. A mulher “lia” os sinais no corpo, sendo a ausência de menstruação o maior deles, é óbvio. Mas tinha outros, como enjoos e tonturas, boca seca e libido mais acelerada, que ao se apresentarem davam uma dica, um sinal de que havia mais um habitante naquele corpo.
Mulheres que engravidavam tinham cuidados diferentes até terem o bebê. Em algumas regiões costumavam ingerir líquidos, muitos líquidos, para auxiliá-las a “criar leite”. E lembro que um líquido bem apreciado era uma cervejinha escura, pois diziam que auxiliava muito a mamãe a criar um bom leite para a alimentação futura dos bebês.
O que? Álcool na gravidez? Não. Não. Ninguém cogitava não ingerir álcool. Álcool e fumo não eram proibidos na maternidade, naquele tempo.
O nascimento não era coisa simples.
Especialmente de noite, pois não havia luz elétrica na maioria das regiões. A vela ou candeeiro ajudava a parteira. Algumas parteiras, as bem modernas, eram precavidas e levavam lanterna para auxiliar no trabalho de assistência ao parto noturno. Mas nem todas tinham “o foco”, como se chamava a lanterna, 60 anos atrás.
A mãe surge com o nascimento do filho. E quando a mulher se tornava mãe, ela ficava de quarentena. Isso significa que, nos próximos 40 dias, a mamãe estaria fisicamente “reservada” para o filho. Homens fora! Entendeu?
Eram 40 dias de abstinência sexual. E não se resumia ao marido “dar umas voltas” para acalmar o “nervosismo”. Tinha outras situações, na quarentena. Tomar banho completo, por exemplo, era visto como “altamente perigoso”. As mamães faziam a limpeza via de regra com paninhos úmidos, delicadamente, bem delicadamente. E recordo de ter ouvido muitas e muitas vezes dizerem que mulher de quarentena “lavar o cabelo” era praticamente uma sentença de morte.