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Eu sei que algumas pessoas não têm remédio, são intragáveis, nauseantes, mais abomináveis que o abominável mosquito da dengue. Elas sugam forças, nada acrescentam e arrastam quem for descuidado para seu mundinho atrofiado de desgostos e infelicidades.
Infelizmente, não há escapatória.
Todo muito conhece alguém assim, seja próximo – de quem convém manter boa distância – ou distante – de que convém nem chegar perto. Pode ser um parente, um “amigo” (atenção para as aspas), um conhecido ou aquela pessoa em que você está pensando justamente agora, no momento em que corre os olhos pelo texto.
Tais indivíduos agem como vírus, atacando a imunidade mental. Para nossa sorte, também são repelentes por natureza, e não há vacina produzida em laboratório capaz de combatê-los. O único antídoto eficaz encontra-se naquela reserva interior a qual somente nós temos acesso, que é fruto do tempo e do desenvolvimento da nossa capacidade de não absorver o que não nos pertence, de repelir sem julgar, de fazer do próprio exemplo um fio condutor de esperança.
Apesar de todos os contras, não me parece conveniente derrapar na asneira do pensamento (oi?) político reinante: se eu gosto, é bom; se eu não gosto, não presta. Até os maus, no sentido literal ou no sentido de desagradável, são capazes de uma boa ação, de um momento de elevação espiritual, nem que seja apenas para com os seus. (Afinal, o que seria dos humanos sem suas ambiguidades, seus dualismos, suas contradições?)
Portanto, não generalize.
Às vezes é só um mau jeito, uma impressão equivocada, um deslize sem o propósito de ferir. Excetuando-se as exceções que ratificam a regra, todos podem fazer por merecer outra chance, podem encontrar o caminho da redenção. (Deixe a condenação sumária para os seus preconceitos.)
A propósito...
Se há aqueles impossíveis de engolir, nem comece a mastigá-los, pois não é de bom tom cuspir depois. (Relações são escolhas – se não todas, quase.)
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INSTANTE NA ESTANTE
Percebo que volto a me delongar. Sinto muito. Era isso que eu gostaria de transmitir ao senhor, Sr. Okada. Acabei perdendo a minha própria vida em virtude das circunstâncias e levei uma existência sem sentido durante mais de quarenta anos. E, como uma pessoa que viveu nessa condição, acredito que a vida é muito mais limitada do que as pessoas imaginam. A luz incide sobre o ato de viver por um tempo extremamente curto e limitado. Talvez um pouco mais de dez segundos. Se a pessoa não conseguir distinguir a revelação nesse intervalo, se a luz desaparecer, não haverá uma segunda chance. A pessoa vai precisar viver o resto da existência em profunda solidão e em profundo arrependimento, sem nenhum tipo de consolo. Em semelhante mundo de crepúsculo, a pessoa não poderá esperar mais nada e segurará nas mãos apenas um resquício efêmero daquilo que deveria segurar.
De todo modo, estou feliz por ter conseguido contar essa história pessoalmente ao senhor, Sr. Okada. Não sei se ela será de alguma valia, mas acho que consegui experimentar certo consolo por ter contado. Confesso que é um consolo muito pequeno, mas, para mim, já representa um tesouro precioso.
Crônica do Pássaro de Corda – Haruki Murakami (1949)