Por Alan Caldas – Editor do JDI e advogado
Fui com meu filho Benício assistir ontem à noite o filme O Gato de Botas. Incrível é pouco para se dizer do filme. No fundo é o gato sem botas. A história de um gato herói. Um gato que saiu de um orfanato, que ganhou botas e que, com elas, acreditou-se um guerreiro espanhol. Um gato que enfrentou o abandono, o sistema, as dificuldades, e ganhou notoriedade.
Se tornou ídolo das multidões. Amado. Adorado. E, destemido, enfrentava com suas botas e sua espada os maiores desafios que a vida ia lhe impondo. Um gato aplaudido. Que ganhava e dividia com todos tudo que recebia.
Um dia aqui, o gato de botas. Outro ali. Mais um acolá. E a vida seguindo intensa, forte, lutada, e ele aplaudido sempre pelas multidões enlouquecidas de paixão que o adoravam e o idolatravam, pois viam nele aquele ser que gostariam de ser mas não são. O seguiam e aplaudiam porque ele não tinha medo. Ele desconhecida o perigo. Ele era imbatível. Ele não temia a morte ...
Oooops! Ele não temia a morte?
Claro que não temia. Ele ria na cara da morte. Há há há. Ele era uma lenda, pensava ele. Era maior que todos. Mais forte que todos. Maior que ele próprio. Maior que a morte.
Então, após ele enfrentar um monstro para defender a população, lá está ele se pavoneando perante o povo quando, do nada, um sino de igreja, um enorme sino cai sobre ele e ele acorda no consultório de um médico. Um médico que também é barbeiro. Um médico que também é caçador de bruxas. E o médico lhe diz que ele “morreu” naquele sino sua oitava vida.
Portanto, só lhe restava mais uma vida, uma única vida, só essa vida, disse o médico. Por vaidade, por pretensão, por ficar se exibindo para os outros, ele gastou oito das nove vidas de forma absolutamente fútil.
A conclusão e conselho do médico era, então, aposentar-se. Chegara ao fim sua vida boêmia, de cama em cama, sua vida guerreira, vida de bar em bar, cidade a cidade, desafio a desafio, luta a luta, aplauso a aplauso.
O gato de botas sai furioso do consultório médico. Que médico burro. Que médico idiota, ele diz para si mesmo! E vai para o bar encher a cara com leite fresco, a bebida preferida dos gatos.
E assim, sentado no bar, copo a copo, xingando o médico até sua quarta geração, senta-se ao lado dele um lobo. Um lobo soturno. Um lobo que vestia uma capa que lhe cobria a cabeça. Um sorumbático e assustador lobo, que avisa com voz grossa e contida que veio buscar o gato de botas.
Com a mente embotada de tantos copos de leite, o gato de botas pensa que o lobo é mais um caçador de recompensas que está atrás dele porque ele tem vários pedidos de prisões contra si.
Levanta-se e avisa: “essa recompensa não será fácil”, e saca a espada.
O lobo diz “muitos imaginam que me vencerão”, levanta-se e saca duas foices de mão, as espadas do lobo, e arremessa-se na direção do gato de botas, desarmando-o com facilidade. O gato reage. Mas é fraco diante daquele adversário. E só então o gato entende, finalmente, que está diante da morte e não de um caçador de recompensas.
A morte. A mesma morte que ele dizia “rir na cara”. A morte que o gato não temia. A morte da qual ele zombou, troçou e fez pirraça enquanto, morte a morte, e sem se dar conta ele ia gastando suas vidas uma a uma, até chegar nessa, a nona vida, a última vida do gato, a vida final.
E a morte estava agora ali em sua frente. Tinhosa. Imbatível. Sedenta de mais uma vida para se alimentar, e implacável e sem volta como só a morte sabe ser.
O gato percebe, então, que encontrou seu destino, seu fim, que encontrou aquele momento em que os aplausos da plateia que o envaidecia e fazia pensar que era tão “grande”, nada mais significava.
Ele iria morrer ali, nas mãos da morte, e essa seria a sua nona e última vida. Era seu fim. Nada mais de leite de bar em bar. Nada mais de gatinhas lindas na cama. Nada mais de multidões o fazendo pensar que era imortal e maior que todos e tudo.
Pela primeira vez, o gato de botas sente o tenebroso frio da morte. Aquele frio que sentimos diante do karma final, quando os pelos do corpo se eriçam não pelo prazer nem pela vitória, mas pela derrota, pelo medo, pela certeza de que diante daquilo nada mais somos nem seremos.
Enquanto caminha na direção do gato, a Morte sorri um riso tão demoníaco quanto cruel e inteligente, e lhe pergunta se ele estava gostando de ver passar pela mente na hora da sua última morte todas as vidas que ele jogou fora se achando imbatível e importante. A Morte pergunta e sorri. Pergunta e avança para desfechar o golpe final no vaidoso gato de botas, que a olha e sabe que vai perder, a olha e tenta reagir, mas de nada adianta, pois sabe que perdeu, sabe que está derrotado, sabe que não é mais o famoso, o imbatível, o inigualável, o pretensioso Gato de Botas que tanto iludia a multidão com seus feitos que o que mais fizeram foi lhe fazer gastar todas as vidas de forma insana e infantil.
É assim que o gato de botas, sempre tão corajoso, tão destemido e feroz com seus inimigos, se encolhe, se assusta, percebe que não é aquilo que o aplauso das multidões para as quais ele jogava o faziam pensar ser.
Então o gato, o corajoso, o grandão, o fantástico, o inabalável, o destemido gato de botas vira um gatinho frágil diante da derrota, vira ali na frente da morte que o derrotará um tomador de leite, simplesmente frágil, fraco, covarde, medroso derrotável como outro qualquer daquela multidão alucinada que o seguia e aplaudia.
Vendo isso o gato vira um gato. E foge. Ele salta dentro de uma latrina, pula nas fezes de uma capunga onde humanos depositam seus excrementos, e vai para longe enterrar sua lenda pessoal que, sem mais vidas para viver, sem mais tempo para ser “o grandão”, lhe fazem compreender que ele era apenas um boquirroto metido a maioral mas que, no fundo, não passava de um frágil gatinho adoecido pelo medo quando vê que perderá tudo se perder aquela última vida.
Termina aqui? Não! É aqui que começa o filme o Gato de Botas, que passará por uma jornada incrível para, na fragilidade de quem tem uma só vida, entender o significado real de amizades, de lealdade, de humildade, amores, família e os valores morais e éticos que todo ser que é idolatrado pelas massas pensa que só existe para “os outros”, porque ele é superior a tudo isso que nós, seres “normais”, chamamos de ... vida!
Não perca. É o melhor filme do ano.
Está no Cinemark do Novo Shopping, em Novo Hamburgo.
Entrada a 36 reais. Caríssimo, eu sei. Mas paguei meia, 18 reais, no benefício de ter ficado “idoso” (se você rir, perde o amigo kkk...).